segunda-feira, outubro 01, 2007

Para que servem todas estas limpezas?

Desde que o Cântaro Zangado começou, em Dezembro de 2005, já se organizaram, parece-me, sete operações de limpeza de lixo disperso na Serra da Estrela. Dessas sete, cinco (pelo menos) focaram-se na zona da Torre. Em cada uma destas operações foram recolhidas várias centenas de quilogramas de lixo.

Na semana passada, o CAAL e a ASE estiveram a limpar o Corredor do Inferno. Esta iniciativa foi talvez a que contou com mais participantes, tendo-se limitado à zona minúscula que assinalo na figura que ilustra este post. Recolheram-se duzentos sacos, encheu-se de lixo um camião e a caixa de uma carrinha pickup. Mesmo assim, e segundo me contou um participante, não foi possível limpar uma parte do corredor.

É óbvio que nem com uma operação por semana se consegue retirar todo o lixo deixado pelos turistas numa única época de Inverno. Ainda assim, estas operações são coisas boas, porque revelam a pouca vergonha em que a zona da Torre está transformada. E mostram a todos que não se pode ter sol na eira e chuva no nabal. As multidões de visitantes que Turistrela e Região de Turismo celebram (com números que são muito suspeitos, como mostrou no Inverno passado o responsável do maior grupo hoteleiro da região) e o lixo que fica na Torre são dois aspectos de uma mesma realidade. A um turismo cada vez mais massificado, corresponde, inevitavelmente, uma serra cada vez mais suja. Isto está certo? É isto que desejamos? É isto o desenvolvimento?

Estas iniciativas têm também mostrado um PNSE que, mesmo quando colabora, quase parece querer alhear-se delas. É pena.

7 comentários:

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Começando pelo "pior": o "pior" é estes energúmenos pensarem que existe uma "obrigação" por parte destes grupos de voluntários para limpar o lixo que "suas excelências" por aqui abandonam...

Mas vamos por partes:

- Valle del Lago é uma aldeia de montanha nas Astúrias; é mesmo uma "aldeia de montanha", não foi criada por decreto, por cartaz (tipo outdoor) ou por "acto consumado" (entenda-se, por resultado de ocupação ilegal do território).
Em Valle del Lago quase toda a gente vive do turismo...aproveitaram a elevação de Somiedo a Parque Natural e os fundos comunitários para recuperar as casas para receber turistas(mantendo a arquitectura tradicional das Astúrias, sem imitar a arquitectura nórdica!); essas casas esão grande parte do ano ocupadas por pessoas que aí passam alguns dias aproveitando para fazer caminhadas e outras actividades.

Por exemplo, a dona da casa onde fiquei hospedado, tem ainda um outro negócio de passeios a cavalo...Os turistas deixam dinheiro que é repartido por grande parte da comunidade, fazem compras no comércio tradicional, compram produtos locais (como a sidra, por exemplo);

Isto é turismo sustentável; turismo sem enchentes, como deve ser em áreas sensíveis de montanha, ainda para mais sendo Parque Natural e Reserva da Biosfera (tal e qual como uma determinada serra do Centro de Portugal). Toda a gente está feliz com a criação do Parque que melhorou o nível de vida das pessoas, permitiu a criação de novos negócios, ao mesmo tempo que não afectou a conservação da Natureza.

Em Somiedo não existem monopólios turísticos de nenhuma empresa; não há skiparques, bungalows nórdicos, projectos de casinos ou de campos de golfe nos vales (entenda-se, em leitos de cheia...)

Era assim que eu gostava que fosse o turismo na Serra da Estrela; que criasse riqueza, emprego e permitisse fixar as pessoas na região, ao mesmo tempo que garantisse a preservação da Natureza da Estrela: a sua maior riqueza! Em vez disso, temos os monopólios que se conhecem e um turismo cada vez mais massificado, que insiste em rasgar a Serra com cada vez mais estradas.

Isto, aliado a novas vias como a A23 e a A25, faz com que aumente o número de turistas que visitam a Serra da Estrela; mas são turistas que, na sua esmagadora maioria, regressam a casa no próprio dia; não dormem na hotelaria, nem comem nos restaurantes locais...não estão interessados no artesanato, até porque se arriscam a só encontrar galos de Barcelos; e mesmo no queijo da serra têm medo de comprar "por engano"!
Pelo contrário, abandonam todo o tipo de lixo e porcaria à sua passagem...ir à Torre, num daqueles fins-de-semana de início de Primavarera, com engarrafamentos monumentais e gente a deitar lixo para todo o lado, pode ser das experiências mais deprimentes que se podem ver no nosso país...aproxima-nos culturalmente do 3º Mundo e, não fora ser tão frequente igualmente noutras zonas do país, poderia até ser vendido como pacote turístico: "Torre, PNSerra da Estrela, onde vive a porcaria e a falta de civismo"!

Este turismo de "saco de plástico" é fomentado por todos aqueles que insistem em defender mais e mais estradas e obras perfeitamente megalómanas...como a de ampliar estâncias de esqui a 1900m de altitude; esqueçam o Sr. Bush, na Serra da Estrela vivem os verdadeiros cépticos do aquecimento global!

Lixo, lixo e mais lixo...é isto que se leva como imagem da Serra este turismo de "passagem"; tirando as petrolíferas, há mais alguém que beneficie com este estado de coisas?

De volta a Valle de Lago...enquanto bebia um copo de sidra num dos cafés da aldeia, o dono dizia que aquando da criação do PNatural de Somiedo a única coisa que os habitantes locais pediram foi que não asfaltasssem a estrada até aos lagos; tinham medo que isso transformasse os lagos numa lixeira...e assim se fez a vontade das gentes locais, só sobe aos lagos quem gosta de andar a pé, que são os mesmos que "dormem" na aldeia, ou seja, fazem mover a economia local. Dei comigo a pensar que aquele ancião, ainda que provavelmente nunca tendo ido à escola, sabia mais de turismo do que muitos dos que mandam na minha Serra da Estrela. Juro que tive uma vontade genuína de chorar...não tanto pelo estado a que deixámos chegar a nossa Serra mas mais por ainda não termos aprendido nenhuma lição!

Mais uma vez, apenas uma palavra para todos os que de forma voluntária vão apanhar o lixo dos "outros" à serra:OBRIGADO!


P.S.- José, desculpa o "testamento"!...

ljma disse...

Qual quê, Pedro! Obrigado pelo "testamento".
Aliás, ele vem a propósito de uma notícia que hoje me deixou ligeiramente deprimido, a das comissões de baldios de Montesinho que resolveram proibir a entrada dos técnicos do ICNB nos baldios do parque, por causa do plano de ordenamento que não prevê a possibilidade de instalação de eólicas.
O teu comentário mostra que há maneiras de se ganhar a vida com um ambiente protegido. Talvez essas maneiras não sejam viáveis cá em Portugal, por falta de imaginação das populações ou por falta de sensibilidade e excesso de burocracia dos responsáveis pelas áreas protegidas, não sei, mas lá que as há, há...
Enquanto não se perceber que um ambiente protegido pode servir de ganha-pão, a protecção ambiental continuará a ser uma miragem. E é nesse ponto que continuamos cá em Portugal, com as agravantes do mito da neve e do feudo monopolista aqui da Serra da Estrela...
José Amoreira

Anónimo disse...

Um grande bravo ao Pedro Santos.
Reconheço nas tuas palavras aquilo que muitas vezes penso.

Um grande agradecimento a todos os que se voluntariaram para as limpezas na Serra da Estrela.

Paulo Roxo

Anónimo disse...

É assim Pedro,tens razão! Acontece em Somiedo e por toda a Europa civilizada que protege os seus recursos e ao mesmo tempo dinamiza o turismo sustentado que fixa cada vez mais população e mais jovens. É assim nos Picos, nos Pirinéus,em Navecerrada (Madrid) onde se fecham estâncias de ski demasiado baixas - Los Cotos, é assim em La Pedriza, é assim na Eslovénia, na Escócia, na República da Irlanda, é assim nos Parques franceses (tour do Mont Blanc) em Itália nas Cinque Terres à beira mar ou nas imponentes e mais belas montanhas do mundo - Messner dixit - as Dolomites de Cortina d'Ampezo ou Cibiara.É assim por aí fora! E nós por cá temos de continuar a trabalhar, a lutar, a provar a autarcas e munícipes, a técnicos mais ou menos competentes e aos seus chefes mais ou menos incompetentes, que não é este o caminho! Ainda acredito que é possível, e vocês todos, o Cântaro e esse milagre que é o programa "1 Milhão de Carvalhos" só me dão razão. Cada dia se ganha mais consciência, as coisas podem mudar.
Nós no CAAL tudo faremos em defesa das nossas serras e do nosso futuro.
E o caminho passa também pela denúncia e combate sem tréguas à legislação iníqua que pretende taxar todos os que organizadamente protegem, divulgam e ensinam a proteger a natureza, e que zelosos e preguiçosos srs do ICNB querem aplicar em todo o seu esplendor: nem os escuteiros escapam, mas os turistas e excursionistas, os piqueniqueiros que fazem fogueirinhas pró petisco, etc, etc, esses não são nem taxados, nem vigiados, nem controlados, nem multados... É que para isso era preciso trabalhar!
Um abraço do JV

ljma disse...

José Veloso, sobre regulamentos como os que refere, veja este post
http://ocantarozangado.blogspot.com/2007/06/os-desportos-de-natureza.html

Abraço,
José Amoreira

Eduardo Peça disse...

As limpezas da área devassada da serra são de grande valor, pela forma como expõem uma vergonha nacional. Mas são de facto um acto simbólico pois a o caudal de porcaria deitado pelos "turistas" supera o caudal de limpeza dos voluntários. Quem vai divertir-se para os centros comerciais da torre tem a Serra da Estrela que merece! Não temos a obrigação de ELIMINAR lixo de pessoas mal formadas pois elas merecem andar no meio do seu lixo!! Infelizmente uma minoria de pessoas esclarecidas e evoluídas tem de aguentar a sua querida Serra suja por pseudo-turistas e concessões megalómanas! Mas resta-nos fazer barulho, denunciar e expor a título simbólico a porcaria que se acumula no planalto central! Abraço

fernando_vilarinho disse...

Vê-se cada vez mais gente (e ainda bem) a porfiar pela sustentabilidade da Serra da Estrela, em moldes de preservação de muito dos seus elementos mais naturais e endógenos. Já no único Parque Nacional que temos 'ninguém aparece a nenhum rendez-vous'. A título de exemplo, se aí foram 7 limpezas, aqui (PNPG) foram zero, que me recorde (ou não recorde). Cinco concelhos (3 PS e 2 PSD, entremeados) que pouco dialogam, mas tb não parece ser preciso, pois se os outros países têm, tb temos garantido um PN: o rótulo é bonito e ajuda ao turismo.
Bem, se o Gerês ficasse mais a sul...

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!