terça-feira, agosto 28, 2007

Opiniões bem fundamentadas

Sobre a nova barragem das Penhas da Saúde, que a Câmara Municipal da Covilhã planeia construir no vale da Ribeira das Cortes, ou melhor sobre o seu estudo de impacto ambiental e a correspondente avaliação de impacto ambiental manifestei-me aqui e aqui(1).
Mas volto a este assunto porque o Jornal do Fundão publicou na semana passada uma notícia sobre um particular, proprietário de um terreno e de uma casa na zona a ser alagada, que agora vem protestar contra a obra. O texto do artigo pode ser consultado no site do JF para quem tiver password ou no blog Cortes do Meio.
Não me quero pronunciar sobre este diferendo em concreto, mas sobre uma parte da notícia. Uma das objecções levantadas pelo proprietário descontente é de ordem turística e tem o apoio do autarca (ou ex-autarca, não sei bem) Alçada Rosa:
“Durante oito a dez anos vamos ver naquele vale, uma das áreas mais bonitas da serra, um monte de terra e pedras francamente feio”, enquanto “a zona debaixo não tinha esse inconveniente”, sublinha. Alçada Rosa e Luís Alçada estão de acordo que a solução aprovada “será também prejudicial para o turismo” e, em especial, para o hotel das Penhas, da Turistrela.
O jornalista contactou o administrador da Turistrela pedindo-lhe comentários sobre este argumento, tendo recebido esta pérola como resposta:
“Não conheço o projecto mas não tenho dúvidas que será um benefício para o turismo da Serra da Estrela mesmo em termos visuais”, defende, por seu lado, Artur Costa Pais. O administrador da Turistrela louva “a coragem e persistência da Câmara para concretizar o empreendimento”, que será “uma riqueza para a região e um benefício para o turismo”. A obra “não vai afectar o hotel e só temos a agradecer a localização da barragem”, diz o responsável da Turistrela que faz “votos para que seja construída rapidamente”.
Eu também não conheço o projecto, tenho portanto igual fundamento para considerar que esta barragem não vai beneficiar em nada o turismo. A Turistrela está agora a começar a apostar (assim parece, pelo menos) em passeios pedestres, de BTT e interpretação da natureza. Vê com bons olhos a destruição daquela paisagem, pelo menos enquanto as obras durarem? Como Luís Alçada e Alçada Rosa, receio bem que a "rápida construção" desta barragem se prolongue por vários anos.
Esta barragem é também conhecida como Barragem das Penhas II. Isto porque já há uma barragem nas Penhas da Saúde, conhecida também como barragem do lago Viriato. Pois bem, a Câmara Municipal cercou esta albufeira com uma rede, vedando o acesso das pessoas à água, impedindo até os passeios pelo muro da barragem. Que interesse é que, nestas condições, aquele espelho de água tem para o turismo? Alguém sabe se as regras para o acesso à albufeira da barragem Penhas II serão diferentes?

(1) Não o fiz pelos canais oficiais, basicamente por insegurança e falta de disponibilidade. A questão é que teria que obter o estudo em si (fiz a minha análise baseando-me apenas no resumo não técnico, que estava disponível online), coisa que me pareceu na altura complicado.

6 comentários:

TPais disse...

O estudo original e completo tinha mais de 1000 páginas!Adiconando a isto o facto de os locais e horarios de consulta do documento serem reduzidos e coincidirem com o horario de trabalho da maioria dos cidadãos torna, na pratica, impossivel a consulta do processo pelo cidadão comum! Se queremos que estes processos de consulta publica sejam de facto representativos é necessários que seja facilitado o acesso à população em geral atravé por exemplo de alargamento de horarios ou disponibilização dos documentos na internet. De outro modo, poucos cidadãos terão oportunidade de se pronunciar de uma forma fundamentada sobre projectos complexos e de grande impacte ambiental!
Mas se até o parque deu o seu aval apenas com algumas ressalvas de ordem técnica e de execução de obra....quem somos nós para dizer o contrário!

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Um documento de 1000 páginas tem que ser analisado de forma demorada e criteriosa...eles sabem que ninguém o fará, muito menos não disponibilizando o mesmo para consulta online (inconcebível na era da banda larga);

O resumo não-técnico apresentado, como o próprio José Amoreira apontou, tem carências e omissões imperdoáveis. Dizer que há espécies com elevado valor de conservação e não as identificar é um erro crasso. Parece que andamos a brincar aos EIA!

Mas, independentemente das conclusões do EIA e das próprias qualidades do documento, o que eu questiono é o seguinte:

1º) Em que estimativas de crescimento da população e actividades humanas inerentes (e consequentemente do consumo de água), se basearam para defender a construção de uma nova barragem?

2º) Onde está um estudo que identifique quais os desperdícios que o actual sistema de captação/distribuição de água apresenta e quanto se conseguiria poupar se funcionasse de forma mais eficiente?

3º) Onde estão os estudos que fundamentam a escolha primeira deste local, bem como os estudos de localizações alternativas (fundamentando os eventuais motivos para terem sido preteridas)?

4º) Onde está um estudo que demonstre a "rentabilidade" desta obra (em função da quantidade de água a disponibilizar) por comparação com o actual sistema de captações alternativas?

Quanto ao turismo...já se sabe, para esta gente quanto mais betão e alcatrão, melhor! De antologia, as palavras de Artur Costa Pais: "Não conheço o projecto mas não tenho dúvidas que será um benefício para o turismo da Serra da Estrela mesmo em termos visuais”.
Sem dúvida, nada como um paredão de cimento para atrair turistas a zonas de montanha...como é que não nos lembrámos disso antes? E quanto ao aproveitamento turístico da mesma parece que já estou a ver a Turistrela a organizar "caças ao tesouro" sub-aquáticas!

P.S. - Também se torna cada vez mais visível porque é que Alçada Rosa já não está nas Águas da Covilhã...

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Acabei de ler mais umas coisas sobre este assunto no blogue "Cortes do Meio", uma vez que não li a referida notícia no Jornal do Fundão, e dei com esta pérola: quando confrontado com as declarações de Alçada Rosa, de que aquele vale iria ficar esventrado durante largos anos, fonte camarária terá respondido:"Quando vamos ao barbeiro também ficamos com o cabelo todo no ar e só no fim saímos penteadinhos" !!!!!

Se não atingimos o fundo, não sei onde estaremos!

Anónimo disse...

Interessante. Não sabia que o estudo completo era acessível ao público em geral - se quiser passar uma semana numa qualquer Junta de Freguesia, claro.

Os resumos não técnicos são cópia e paste de anteriores. E então quando a mesma empresa faz vários EIA...

Há no entanto a possibilidade de tentar mexer com o sistema. Durante o período de consulta pública enviar N questões, sugestões, etc, etc. São obrigados a responder.
E pode ser que nas respostas apareçam mais algumas péroloas que mereçam ser publicadas on-line.

Sugiro ir à pagina do Instituto do Ambiente confrontar vários EIAs e também à do Inag para ver alguns POAs (Planos de Ordenamento de Albufeiras) e muitos mais documentos "interessantes" mas não podemos "lutar" em todas as frentes.
Osvaldo Lucas

ljma disse...

Pedro, esse argumento do barbeiro deve ser mais um elemento da política ambiental da Câmara da Covilhã...
E, um pouco como dizia o Mark Twain, os rumores sobre termos atingido o fundo têm sido, sistematicamente, altamente exagerados...

Osvaldo Lucas, obrigado pelas sugestões. Há frentes a mais, de facto, e tempo e pachorra a menos...

Francisco Fonseca disse...

Existem novidades sobre este assunto: http://www.asbeiras.pt/2012/10/tribunal-recusa-providencia-cautelar-contra-nova-barragem-na-covilha/

Mais uma vergonha "à la Serra"

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!