segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Condicionar o tráfego? Sim, sff!

Há dias, O Interior publicou declarações do director do Parque Natural da Serra da Estrela, Fernando Matos, sobre o problema dos congestionamentos de tráfego na zona da Torre em certos fins de semana e sobre como o resolver.

Há várias maneiras de abordar esta questão. Eu costumo afirmar que, se não houvesse a estrada nacional N339, que atravessa o maciço central, não haveria problema. Nem engarrafamentos, nem protestos por falta de acessibilidades, nem lixo na zona. Ou seja, o problema dos acessos, quanto a mim, é causado pela existência desses mesmos acessos. E, para apoiar o que digo, constato que não se ouvem vozes reclamantes pela falta de acessos asfaltados (ou de telecabines) ao cimo da Sierra de Gredos, da Serra da Gardunha, da Sierra Nevada, do Ben Nevis, do Mont Blanc, do Monte Perdido, etc, etc, etc. Acredito sinceramente que é a estrada nacional N339 a causadora dos problemas mais graves da Serra da Estrela. Mas não me parece que seja um grande radical por isso. Sou contra a estrada e acho que ficávamos melhor sem ela (em todos os aspectos, começando pelo turístico), mas compreendo que não se queira encerrá-la, agora que ela existe, e apoio medidas que atenuem o problema, mesmo que não o resolvam na totalidade a meu gosto.

Tentemos então abordar esta questão por outro ângulo, um em que a Torre se considera núcleo de lazer, com o significado que a essa expressão se costuma dar: um local onde as pessoas podem chegar confortavelmente e onde podem fazer aquilo que se costuma chamar turismo: e tal, umas voltinhas por lojas, e tal um retrato, e tal... Mmmm, que outras interessantíssimas, inesquecíveis experiências e actividades constituem aquilo que se costuma, por cá, chamar turismo de montanha? (Desculpem, estou a ser mauzinho. Continuemos.)

A questão é que não é possível (e se o fosse, não seria desejável) resolver o problema dos congestionamentos na Torre mantendo a possibilidade de nela se ajuntarem as multidões que lá se concentram nas alturas críticas. Logo, o acesso à Torre deve ser, de algum modo, regulado, até para que o local possa continuar a ser um núcleo de lazer, coisa de que muitos já duvidam. Ou seja, fazem todo o sentido propostas de condicionamento do acesso ao maciço central como as agora sugeridas por Fernando Matos. Aliás, sugestões na mesma linha foram já avançadas por Lemos dos Santos (Coordenador da Acção Integrada de Base Territorial da Serra da Estrela, ver o blog do programa PETUR), por Jorge Patrão (presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela, ver um artigo do Notícias da Covilhã, 2 de Dezembro de 2005, pág. 14, que comentei aqui) e por outras personalidades destacadas.

É relativamente simples condicionar o acesso à Torre. A GNR dispõe de uma força permanente no maciço central e as vias de entrada já estão dotadas de cancelas, ou seja, as estruturas e os meios já estão instalados. Decidindo-se as autoridades pelo condicionamento, só falta definir os detalhes: proibe-se o tráfego incondicionalmente, ou em função do número de viaturas já presentes no maciço central? Proibe-se o tráfego totalmente ou limita-se apenas o tempo de permanência na zona crítica? Disponibilizam-se meios alternativos de transporte (podendo aqui considerar-se também as telecabines) ou não? No caso de se permitir a entrada, condicionada ou não, cobram-se portagens? Criam-se mais lugares de estacionamento? Posso alinhavar rapidamente argumentos contra e a favor de qualquer das possibilidades que aqui levantei. As respostas que damos a estas perguntas são importantes, mas já estamos a tratar da regulamentação detalhada da iniciativa. De pormenores, portanto. Nada impede, até, que se comece com um dado formato e que se vá afinando, melhorando, ajustando às necessidades esse formato. O que não faz sentido é continuarmos, ano após ano após ano, a dizer que isto assim não pode ser, que temos que resolver o grave problema dos congestionamentos, que há que pôr cobro à degradação vergonhosa que se verifica naquele espaço de excelência, e ano após ano após ano a nada fazer...

Porque é assim que, ano após ano após ano, temos andado, coloca-se, de facto, outra questão: quereremos, mesmo, resolver este problema? Como já disse, muitas vozes têm sugerido o condicionamento do acesso rodoviário à Torre para evitar o circo degradante que lá se monta em certos dias. Infelizmente, muitas vezes (e os dois nomes - Lemos dos Santos e Jorge Patrão - que citei acima são bons exemplos), ao mesmo tempo que se defendem genericamente medidas de condicionamento do tráfego, apoiam-se medidas concretas de liberalização desse mesmo tráfego, como são as asfaltações de novas estradas (como a estrada de S. Bento entre a Portela do Arão e a Lagoa Comprida, recentemente inaugurada, o prometido e já começado acesso Unhais da Serra - Nave de Sto António ou a incrivelmente baptizada Estrada Verde [exemplo acabado de green-wash saloio] entre a Guarda e o planalto central, ainda em estudo). Ou então faz-se depender a resolução do problema do tráfego na Torre da abertura de novas acessibilidades ao litoral como a IP6 ou os túneis sob a Serra, coisa que não se afigura viável nas próximas dezenas de anos. Francamente, acho que estas posições são mistificações. Temos um problema que se arrasta há já alguns anos; vamos esperar vinte anos ou mais para o resolver? Vamos complicá-lo mais ainda com ainda mais estradas que será necessário condicionar?

Não é um pouco desta atitude que transparece no artigo do Interior que motivou esta minha longuíssima arenga? Ainda antes de se falar em quaisquer restrições ao tráfego, lá vem a condicionantezinha:

A criação de dois «grandes parques de estacionamento» na Lagoa Comprida e nos Piornos seriam uma «boa solução que evitaria os congestionamentos»

Sem comentários:

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!