No Parque Natural da Serra da Estrela, desde há muito que o desordenamento e a falta de uma estratégia de desenvolvimento consentânea com a realidade de uma região de montanha nos tem conduzido a uma situação cada vez mais insustentável de degradação ambiental, patrimonial e económica.
Do carvalhal autóctone que outrora terá dominado a nossa Serra, entre os 600 e os 1600m de altitude, praticamente apenas restam as memórias. Desde a sua sobre-exploração à substituição por monoculturas florestais de crescimento rápido, muitas foram as causas para o seu declínio. O Teixo, árvore sagrada venerada pelos celtas e referência na nossa mitologia, tem sido gradualmente conduzido a um estado de pré-extinção, principalmente pelos fogos florestais e pela eliminação selectiva pelos pastores devido à sua toxicidade para o gado, sem que uma estratégia concertada algo tenha feito para garantir a sua conservação.
Essa eliminação/substituição do coberto vegetal autóctone, basilar para o equilíbrio do ecossistema, terá sido determinante para os consequentes processos de degradação que se seguiram: incêndios florestais excessivamente recorrentes; erosão e perda de solo acelerada; diminuição da capacidade de resiliência do ecossistema; alterações climáticas locais; surgimento e expansão de vegetação exótica infestante; perda irreversível de biodiversidade.
Aos problemas de conservação e ordenamento do território soma-se a incompreensível lógica de promoção da região e dinamização da actividade turística: impõem-se severas restrições à circulação pedestre e à prática de actividades de montanhismo, de menor impacte e em maior harmonia com a natureza, enquanto que se facilita o fluxo desordenado e massificado de visitantes em viatura própria através do aumento e alargamento de vias rodoviárias, com consequências ao nível de dispersão da poluição e crescente dificuldade de gestão e manutenção; o recurso a uma concessão, em regime de exclusividade, da exploração turística e desportiva a um consórcio privado (desde 1971 e durante 60 anos e a partir de 1986!), em detrimento do mercado livre onde os agentes locais pudessem tomar parte, prejudica o empreendedorismo e a diversidade da oferta de produtos e serviços, constituindo assim mais um entrave ao desenvolvimento da região; a já referida aposta excessiva no produto “neve”, cuja sazonalidade e variabilidade têm implicações sociais, ao mesmo tempo que se despreza o potencial da beleza natural da Serra durante o resto do ano; projectos de questionável interesse público e desenquadrados da realidade de uma região de montanha que se vão sucedendo, tais como as pseudo “aldeias de montanha” (aldeamentos turísticos) ou a intenção de construção de um casino em plena área protegida; o absurdo da existência de um centro comercial no ponto mais alto de Portugal Continental, classificado como Área de protecção parcial do tipo I, a figura de protecção legal mais estrita do Plano de Ordenamento do PNSE, “onde predominam sistemas e valores naturais de interesse excepcional (…) e que apresentam no seu conjunto um carácter de elevada sensibilidade ecológica” (Regulamento do POPNSE, pela Resolução do Conselho de Ministros nº83/2009); crónica falta de meios e limitada capacidade de actuação do ICNB, agravada por erros de gestão e uma legislação ambiental desenquadrada.
Em consequência desta realidade todos ficamos a perder mas, indubitavelmente, o preço mais alto é pago pelas comunidades locais. Poucos são os que compreendem a importância de proteger a Serra pois, aparentemente, são mais os prejuízos que os benefícios de viver numa área protegida. Apenas sentem que lhes foi retirado o direito de usufruto do que sempre lhes pertenceu.
A exclusividade da exploração do turismo e a sua sazonalidade, a dificuldade em obter autorização para as actividades tradicionais e para novos investimentos contribuem diariamente para a precariedade laboral, o desemprego, o êxodo rural e a gradual perda de identidade cultural da região, agravando a já complexa situação da interioridade.
A conservação da natureza e biodiversidade não se esgota nas “plantinhas” ou nos “bichinhos”, como tantas vezes é mal compreendida. É necessário entender que todos nós também somos parte do ecossistema e dele dependemos para o nosso bem-estar e sobrevivência. Em Sanabria, na Serra da Estrela e por todo o mundo em nosso redor.
Interessa restaurar o equilíbrio há muito perdido por cá, entre o Homem e a Natureza. Que estes exemplos de sucesso vindos do país vizinho sirvam para repensar a nossa estratégia de desenvolvimento, pois de Espanha não vêm apenas “maus ventos”.
Porque protecção, conservação e desenvolvimento não podem ser encarados separadamente. Pela nossa Serra, por todos nós.
6 comentários:
Uma grande entrada, Rui!
Reflexões como a que aqui deixaste, ou as que se me ocorrem quando visito outras montanhas, deixam-me a sensação clara de que tudo o que deve ser feito para promover o turismo na serra da Estrela *não está* a ser feito e tudo o que *não deve* ser feito para promover o turismo na serra da Estrela está a ser feito, há já várias décadas. Por isso é que estamos como estamos e outros (e nem é preciso ir ao estrangeiro para os encontrar) estão como estão.
Mas, o que se há-de fazer? "Nós aqui vivemos da neve", "Ninguém vem à serra para ver as pedras", "Antes das plantinhas estão as pessoas", "Não se pode hipotecar o progresso ao bem estar da lagartixa-de-montanha", etc, etc, etc. Assim vamos, no rumo certo, no rumo de sempre. No rumo que nos troxe até aqui. Mai bom!
Olá
É preciso,é urgente,é indispensável mudar os senhores da Serra.
Cada vez que os ouço,por mero acaso estamos às vezes no mesmo sítio,fico horrorizado.Não aprenderam nada.
Agora andam a vender a marca.Não sei se com a imagem das tendas de produtos chineses e outros de má qualidade,se com uns quantos indivíduos a tiritar de frio sem saber o que dizer ou do que falam.
O desconhecimento,julgo,não pode ser tanto,acho que é de propósito para fazerem de nós parvos.
Têm procurado sempre o caminho mais fácil.É sempre a descer e não carece de formação ou capacidade.
Só uma nota sobre o Teixo.
A baga não só é tóxica como mortal,embora a parte carnuda seja comestível.
Parece que as primeiras machadadas na sua conservação começaram na época dos descobrimentos.A resistência e flexibilidade tornavam-no ideal para os mastros das caravelas.
Um abraço,
mário
Esqueci-me de outra que é costume ouvir e que é determinante (a meu ver) para sermos como somos: "Não se pode nesta altura pôr em causa a continuidade da concessão exclusiva, porque tem havido investimentos da parte da concessionária."
Trepadeira, olá!
A nossa incúria com as árvores (com os teixos mas não só) vem de longe, sim. Seja como for, ouvi dizer que a madeira dos teixos era também muito utilizada para os arcos.
Cumprimentos
José Amoreira
Pôr fim a muitos institutos quase fantasmas mas onde polulam amigos e tachos dos 2 principais partidos do País,e finalmente orçamentar como devia ser o ICN(B) como deve ser, muito do que há a fazer para a conservação do património natural do País estaria mais assegurado.
BioTerra
já alguem ouviu falar em lacovatilla?
a solução da serra da estrela passa pelo modelo lacovtilla.
Anónimo,
até para se tentar implementar esse modelo de La Covatilla a organização e a gestão da serra tinha que levar uma volta de 180°, e não acredito que os actuais responsáveis sejam capazes ou estejam interessados nisso. Com efeito, na sierra de Bejar não existe uma concessão exclusiva do Turismo e dos Desportos como existe na Estrela; para a estância de La Covatilla foi feito um estudo de impacto ambiental e a concessionária cumpre um regulamento ambiental com obrigações concretas e facilmente verificáveis (ajudar na recolha do lixo disperso, por exemplo); a estância de La Covatilla é servida por uma única estrada, estreita e sinuosa, e a Guardia Civil não deixa subir gente se já lá a houver a mais. Ah, e funcionários da estância ajudam e ordenam o estacionamento...
Implementar o modelo de La Covatilla aqui? Muito bem, mas algum dos poderes da Estrela estará verdadeiramente interessado nisso?
Cumprimentos
José Amoreira
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