O que ouviu os meus versos disse-me: Que tem isso de novo?
Todos sabem que uma flor é uma flor e uma árvore é uma árvore.
Mas eu respondi, nem todos, ninguém.
Porque todos amam as flores por serem belas, e eu sou diferente.
E todos amam as árvores por serem verdes e darem sombra, mas eu não.
Eu amo as flores por serem flores, directamente.
Eu amo as árvores por serem árvores, sem o meu pensamento.Poemas Inconjuntos (Alberto Caeiro)
O ilustre heterónimo que me perdoe, mas eu amo as árvores por serem árvores, com o meu pensamento, e acho que o meu deleite com as árvores é maior por nele estar incluído o pensamento.
Uma paisagem na serra não é só o que os olhos vêm, o que o nariz cheira, o que os ouvidos ouvem e o que a pele sente. Uma paisagem na serra (ou noutro local qualquer) é também as memórias que ela invoca, a interpretação que dela fazemos, as reflexões que ela motiva. E quanto mais soubermos, quanto maior for a nossa bagagem de memórias e de conhecimentos, mais rica é a experiência.
Para uns, um piar gargalhado e estridente na floresta é apenas mais um piar da passarada; para outros, trata-se de um pica-pau-malhado na época do acasalamento. Para uns, uma mancha verde acizentada numa pedra é só mais um líquene como há tantos; para outros é um Rhizocarpum geographicum com 8000 anos de vida (ver Bloco de notas do CISE nº 17 ou uma referência que lhe fiz aqui).
Alberto, desculpa lá, pá. O rio da tua aldeia pode ser mais belo que o Tejo, mas não o é por ser apenas o rio da tua aldeia e por não fazer pensar em nada. É porque os fantasmas que acorda em ti, no teu pensamento, nas tuas memórias, são mais belos que os que te aparecem face ao Tejo. Não há sentir sem pensar.
6 comentários:
Apesar d'isso, prefiro a ingenuidade do Alberto, à depressão das sensações do Campos
Este carpinteira é mesmo um pedante. O que é que tem a ver as preferencias dele com o que está escrito no post.
É verdade que as preferências poéticas do carpinteira não têm directamente a ver com o que eu queria dizer mas, muito francamente, parece-me que vieram a propósito. Foi um devaneio como outro qualquer, foi um devaneio como o post que o fez surgir.
As conversas normais são feitas de "desconversas" como este, e ainda bem, que é mesmo assim que me agradam!
Mas ele há gostos para tudo, bem entendido.
"O ilustre heterónimo que me perdoe, mas eu amo as árvores por serem árvores, com o meu pensamento, e acho que o meu deleite com as árvores é maior por nele estar incluído o pensamento."
José,
O heterónimo decerto que te perdoaria...A tua argumentação é (quase) irrebatível mas, ainda assim, há muita beleza neste poema.
Pelo menos na interpretação que lhe dou que, por certo, nem seria a mesma que o Pessoa teria pensado para o mesmo. Mas aí sou eu que digo, o Fernando que me perdoe mas cada um é livre de dar aos seus poemas a interpretação que entende...
Claro! A literatura é de quem a lê. O drama ou comédia ou seja o que for desenrola-se na cabeça do leitor, não nas páginas do livro, e não é necessariamente pior (ou melhor) do que o que o autor imaginou. É, com toda a certeza, diferente.
De facto, a literatura (incluindo a poesia, bem entendido) é como as árvores e como os rios: a gente ama-os (pegando na expressão do poema) mais pela relação que estabelecem connosco do que pelo que são em si, intrinsecamente, se é que essa intríseca essência, independente de nós e da nossa "bagagem", tem algum significado.
Quanto ao resto (e respondendo também ao carpinteira), não tive a intenção de fazer crítica de poesia. Apenas aproveitei este poema que recentemente reli por acaso (e no qual encontro também muita beleza, bem entendido) para divagar sobre como usufruimos a natureza.
São as coisas que nos chamam, mesmo se evocamos "geia", o estatuto natural do mundo. A noção de paisagem corresponderá à de um "objecto cultural sedimentado", como disse Anne Cauquelin, com a função de garantir permanentemente o quadro da percepção. Tal acepção não exclui as vossas analogias, apenas exclui as vis invectivas de quem não compreende a razão de ser humano e vem desconversar.
Saudações do Grémio*
Enviar um comentário