sábado, dezembro 20, 2008

Uma questão de números

Ben Nevis, na Escócia. Foto roubada daqui.

Nem sempre uma questão de números se resolve apenas com o valor dos números em si. Disse há dias que todos os anos cerca de 150 000(1) pessoas sobem a pé ao cume do monte mais alto das Ilhas Britânicas, o Ben Nevis. Sobem-no a pé porque não há estradas, teleféricos ou funiculares para lá chegar acima e porque vale a pena o passeio.

Olhando apenas para o valor (corrigido, ver nota abaixo), 100 000, poderíamos pensar que nós, aqui na serra da Estrela, ficamos a ganhar. Ainda em Agosto, uma funcionária do PNSE apresentou uma estimativa de 2,5 milhões de visitantes(2), ou seja, cerca de vinte e cinco vezes mais do que os 100 000 do Ben Nevis! Este enorme número de vistantes devemo-lo, sem dúvida, à estrada de asfalto pela Torre, logo, concluímos satisfeitos, a estrada pela Torre é um excelente negócio, e temos é que a alargar, construir mais, aumentar o estacionamento e ainda instalar teleféricos. Certo?

Errado, na minha opinião. É que o número de pessoas que ascendem a pé ao topo do Ben Nevis é concerteza bastante inferior ao das que tentam essa ascenção sem o conseguir, por exemplo por causa do mau tempo. Além disso, o número de pessoas que ascendem a pé ao topo do Ben Nevis é concerteza bastante inferior ao número total de pessoas que visitam a região, entre acompanhantes dos montanhistas e grupos que a visitam sem pensar na escalada. Ou seja, o número de ascenções é "apenas" 100 000, mas o número de visitantes é decerto maior.

Mas há ainda outro argumento, ainda mais forte, a invalidar a teoria da necessidade e da excelência das acessibilidades fáceis e directas. É que a ascenção a pé do Ben Nevis demora cerca de quatro horas (valor na mesma ordem do de uma ascenção à Torre partindo da Covilhã, de Unhais, de Manteigas ou de Loriga, quer-me parecer), a que se tem que acrescentar o tempo gasto na descida. Isto torna muito difícil a visita de uma tarde só, a visita de um dia só. Os visitantes do Ben Nevis planeiam permanecer na região alguns dias, têm que pagar por pernoita, restauração, animação durante horas de espera, mantimentos, alguma peça de equipamento. Podem ser "só" cem mil; mas valem decerto pelo menos dez vezes mais que os nossos dois milhões, que chegam e saem no mesmo dia, exactamente porque dispõem das acessibilidades fáceis e directas ao maciço central.

Para que serve então a estrada, para que servirá um teleférico? Para o que se tem visto: para termos cada vez mais visitantes, mas cada vez menos turismo; para termos cada vez mais lixo, mas cada vez menos paisagens; para ficarmos cada vez mais pobres, em suma.

Pode dizer-se que não podemos comparar Portugal com a Grã-Bretanha, que este meu exercício é um disparate por isso. Não sei se somos assim tão diferentes dos ingleses, mas aposto que se tivessem no Ben Nevis estradas como nós temos na Estrela, teriam lá um turismo muito mais parecido com o nosso. E ao contrário: se não tivessemos os "indispensáveis" acessos que temos, teríamos um turismo muito mais lucrativo, muito mais parecido com o que se pratica no Ben Nevis e em toda a Europa. Ou então, pelo menos, seria-nos muito, muito mais fácil desenvolvê-lo.

(1) Uma nova pesquisa convenceu-me a reduzir esta estimativa (baseada em pesquisas que fiz há alguns anos) para 100 000 (ver o site Ben Nevis owned by the John Muir Trust).

(2) Teremos mesmo assim tantos visitantes? Não é o que parece poder deduzir-se daqui ou daqui.

4 comentários:

Anónimo disse...

pois,mas ben nevis tem 1343 metros de altitude,a nossa serra tem 2000 metros de altitude,é sempre mais facil sobir a pé 1343 metros do que os 2000 metros de altitude

ljma disse...

Não, anónimo. O Ben Nevis tem 1343 m de altitude, mas parte do nível do mar. A Estrela tem 2000 m, mas a base (Covilhã, Seia) está a seiscentos. O desnível é mais ou menos o mesmo.
E o Ben Nevis encontra-se a 57º de latitude Norte, tem um clima terrível. Não é mais fácil subir o Ben Nevis do que a Serra da Estrela, nem pouco mais ou menos.

Mas sabe, os turistas de montanha, que enchem as montanhas da Europa (até o Gerês) durante todo o ano, não se ralam muito com essas dificuldades. Esse é o maior erro do turismo na serra da Estrela: pensar que tem que ser fácil para ser visitada. Assim será para a maioria dos visitantes que temos tido, mas esse é exactamente *o* problema que tenho tentado demonstrar nestes últimos posts: que aquilo que por cá temos *não é* turismo de montanha e que desse facto decorrem muitos dos problemas com que nos debatemos (sazonalidade, problemas de trânsito, de acessos, poluição, etc).

Obrigado, saudações!

Anónimo disse...

ok,que se impessa as pessoas de subir á serra da estrela de carro para popar a serra,mas sendo assim somente os saudaveis os tais montanheiros terão possibilidade de visitar aquele sitio tão belo,os outros,aqueles que não podem ser montanheiros porque ou são idosos,paraliticos ou outros motivos de várias ordens,estes jamais poderam contemplar a beleza da serra vista no seu topo.não acho isso muito justo

ljma disse...

Anónimo, olá mais uma vez

Não se trata aqui de encerrar a estrada para poupar a serra. Tenho falado principalmente de se limitar o acesso a níveis razoáveis naqueles fins de semana em que tal se justifica. Considero níveis razoáveis aqueles que permitam um mínimo de ordenamento pelas forças da ordem disponíveis no terreno.

Mas não quero desviar a atenção do problema que colocou.
(1) Começo por notar que em mais nenhuma montanha da Europa (ou quase nenhuma, deixemos alguma margem) se considera essa preocupação com os não tão fortes ou saudáveis justificação para as estradas e acessibilidades que por aqui consideramos indispensáveis e sempre insuficientes.
(2) Depois quero que note que, se levamos essa preocupação às últimas consequências, justificam-se novos "melhoramentos": estrada até ao Vale da Candieira, funicular para a Penha dos Abutres, teleférico para a Nave da Mestra, combóio para a Varanda dos Pastores. Concorda com tudo isto? Em nome dos mais velhinhos? Olhe eu estou com 43 anos, não me restam muitos de saúde e força nas pernas. Como velhinho que o serei em breve peço por favor: não estraguem, em meu nome, nem mais um palmo de serra, por favor.
(3) A serra é muitas coisas. A serra é o vale de Unhais, a encosta de Loriga, a Vale do Zêzere (e não me refiro apenas à parte, mais famosa, esculpida pela accção glaciar), a Mata do Rei, as aldeias e vilas... Há muita coisa para toda a gente ver, velhinhos, crianças, saudáveis e doentes. Nem todos têrm que ir à Torre. Não se proibe a contemplação da beleza da Serra proibindo o acesso de carro, antes pelo contrário: que beleza da serra é que é dada a usufruir a alguém que passa horas atascado no trânsito?
(4) A Torre é dos locais mais desinteressantes da Serra. Não por causa do circo que lá montaram com os centros comerciais e com o lixo dos visitantes, não. Acontece que da Torre não se têm grandes vistas, não há floresta, não há rios... O único verdadeiro interesse que a Torre pode ter é simbólico: tem o valor do esforço que se dispendeu para lá chegar. Para alguém que lá chega de carro ou de teleférico (seja ou não por ser velho ou doente), não se chega a nada de jeito. Mas, para lguém que lá chega a pé, em contrapartida, ah, é o culminar de um dia que vai ficar na memória.

Obrigado pelas suas interpelações, vá aparecendo!

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!