sexta-feira, novembro 28, 2008

Contos da loucura "normal"

A encosta da Covilhã à noite. As luzes à esquerda são das casas nas Portas dos Hermínios, perto do sanatório; as situadas mais abaixo, à direita, são as das casas da Rosa Negra; o clarão central recortado pelo alto da colina é o reflexo da iluminação pública das Penhas da Saúde.

Este assunto da venda das torres das bolas da Torre justifica um olhar retrospectivo sobre um episódio paradigmático da maneira como olhamos a serra. O episódio a que me refiro é o da instalação da base militar da Força Aérea no alto da Serra. E o aspecto que mais me interpela neste assunto todo é a extrema brevidade da utilização da referida base militar. Pelo que pude apurar, ela foi utilizada militarmente durante uns efémeros quinze anos (estimativa por excesso), tendo ficado ao abandono desde os anos setenta! Face a esta realidade, é ou não liminarmente evidente que a decisão da instalação da base foi um erro e o investimento um monumental desperdício?

Outro episódio semelhante foi o da construção do teleférico Piornos-Torre. Estando a obra praticamente terminada, por volta de 1975, constatou-se que o teleférico não ofereceria condições de segurança dada a frequência de ventos intensos ali, no alinhamento dos vales do Zêzere e da Alforfa. Conclusão? As estruturas ficaram na serra ao abandono durante mais de vinte anos: os cabos suspensos sobre a Nave de Santo António (um deles caiu a páginas tantas), a enorme torre de suspensão intermédia "enfeitando" o Espinhaço de Cão, os edifícios dos dois terminais lentamente decaindo em ruínas... Assim chegámos ao final dos anos noventa, altura em que tudo foi removido (à excepção do terminal inferior, nos Piornos; terá sido com o objectivo de eternamente nos penitenciarmos pelos custos da nossa estupidez?). Por uma vez imperou o bom senso: fizemos asneira com isto do teleférico, vamos remover essa asneira. Porque será que não se pode aplicar o mesmo bom senso às torres das bolas?

Episódios deste tipo vão-se sucedendo, com maior ou menor espalhafato, maior ou menor desperdício. Apesar de a realidade ser o que menos conta nestas andanças, às vezes ainda acaba por se impor, vá lá, vá lá! Por exemplo, há alguns anos tentou ganhar força um movimento para se lançar uma candidatura à realização dos jogos olímpicos de Inverno na Serra da Estrela! O Jornal do Fundão (olha quem!) fez questão de dar a esse proto-movimento toda uma página, com entrevista, comentário, análise e foto a cores. A coisa ficou por ali, e ainda bem. Jogos Olímpicos de Inverno na Serra, jamais virão a acontecer, obviamente. Mas é possível estragar muita serra com esse objectivo em mente. Nunca publicamente viria a ser reconhecido que tudo não tinha passado de um disparate voluntarista (como os radares, como o teleférico). Mas, tivesse o projecto "avançado", teríamos agora as ruínas a demonstrá-lo.

Mas outras vezes não há realidade que nos valha. Um dos mais recentes episódios do que chamei loucura normal é a decisão da Câmara Municipal da Covilhã de tornar as Penhas da Saúde (aglomerado de casas de férias que, na sua esmagadoríssima maioria, permanecem fechadas durante quase todo o ano e onde não moram mais do que vinte pessoas) numa minicidade de montanha, uma "área de projecção nacional e internacional, com que Portugal possa concorrer em termos de turismo de montanha com outras da Europa, nas cidades dos maciços mais conhecidos, como os Alpes ou os Pirinéus." (transcrição literal do site da Câmara Municipal). Não só a realidade parece estar a milhas deste projecto (quem o propõe ou não conhece os Alpes e os Pirinéus, ou não conhece a Serra, ou não conhece nem uns nem a outra), como podemos questionar-nos se, antes de fazer das Penhas da Saúde uma cidade viva, não seria obrigação da Câmara Municipal dar vida ao centro histórico da Covilhã, coisa que se está a revelar mesmo muito difícil... O primeiro passo para tão esclarecido e viável empreendimento foi o asfaltar dos arruamentos do aldeamento e a instalação de nova iluminação pública, há auns três ou quatro anos. Esta última tem uma intensidade tal que o céu nocturno das Penhas da Saúde perdeu todo o seu encanto: aquilo agora é à noite como a segunda circular em Lisboa. Tem uma intensidade tal que em certas condições, podemos na Covilhã notar o clarão das Penhas nas nuvens baixas, apesar de as duas localidades não estarem na linha de visão uma da outra. É isso mesmo que mostro na fotografia que ilustra este post. Como devemos classificar este dispêndio de megawatts-hora na iluminação pública dos arruamentos de um aglomerado de casas onde não mora praticamente ninguém?

Deixei aqui quatro exemplos, entre muitos que poderia ter referido (só o capítulo estradas dava vários posts). O discurso é sempre o mesmo: "isto que vamos fazer é indispensável para o progresso!" Mais tarde, quando se constata o que já era óbvio desde o início, ou seja, que o que se queria fazer está apenas a absorver verba sem gerar progresso nenhum, deixa-se a coisa ao abandono e começa-se uma nova loucura, com os mesmos argumentos! Às vezes nem sequer tem que ser uma loucura nova: por exemplo, volta-se agora a tentar relançar o projecto do teleférico Piornos-Torre!

Esta loucura "normal" não é uma doença exclusiva da zona da Serra da Estrela. Mas convenhamos que se faz aqui sentir de forma particularmente aguda. Algum dia teremos cura?

A fotografia é mesmo muito má. Mas foi tirada sem suporte e teve uma duração de perto de dois segundos. Enquanto fixava a câmara a um tripé para uma segunda tentativa, o nevoeiro adensou-se e o efeito perdeu-se completamente. Foi pena.

2 comentários:

Anónimo disse...

Já alguém tb perguntou quanto vai custar ao Estado Português a Recperação para Pousada e dp ser entregue a um grupo hoteleiro Privado que disse sempre não estar interessado na Serra da Estrela,Pestana? Não era viável para o Pestana e agora já é? Não haverá nada escondido na Manga?Quem conseguiu dar a volta á Enatur/ Pestana? Quem vai ganhar com isso? Qual o interesse do Patrão? Para haver Sanatório não fecharaõ as outras, como fecharam Póvoa das Quartas (Oliveira do Hospital)? A ver vamos o que vai acontecer?!?...

ljma disse...

Anónimo, as questões que levanta são interessantes e gostava muito de conhecer as respostas. Mas, para já, gostava era de saber se é mesmo verdade isso do grupo Pestana ter virado o bico ao prego e, afinal, estar interessado na exploração hoteleira do edifício do sanatório. Sabe, já ouvimos tanta coisa, já tantas vezes nos disseram que "desta é que vai ser" que é melhor esperar para ver.

Devo dizer que me importo pouco que o edifício apodereça de uma vez. O que me interessa é o ambiente e a paisagem da serra, que quanto a mim são as suas verdadeiras mais valias turísticas, não os hotéis, os casinos, as torres das bolas, o sku ou as "minicidades". Entendo que a parte principal da capacidade hoteleira da serra da Estrela devia estar concentrada nas localidades na base da serra. Não só se manteriam assim melhores condições para a preservação ambiental e paisagística, como se animava o ambiente urbano e o comércio nas localidades, com a presença dos turistas. Mais para cima, com o que já há no Sabugueiro, nas Penhas da Saúde e nas Penhas Douradas, e ainda com o que já se está a construir na Sra do Espinheiro, já temos que chegue. Para mim, já temos que sobre!
Saudações!

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!