Nasceu mais ou menos aquando da chegada dos celtas à Península Ibérica; testemunhou as trocas comerciais com fenícios, gregos e norte-africanos; viu as populações locais, misturadas com esses recem chegados, organizarem-se nas diversas nações ibéricas, incluindo a lusitânia, a que pertencia; já cá estava quando chegaram os Romanos, aguentou depois as vagas sucessivas de Alanos, Vândalos e Suevos e a temporária supremacia visigótica; viu a sua terra rebaptizada como Gharb Al-Ândaluz e, quatrocentos anos mais tarde (o tempo de uma sesta), testemunhou a reconquista; mais tarde ainda, a aventura dos descobrimentos marítimos, o domínio dos Filipes, as invasões napoleónicas, o estado novo, o Vinte e Cinco de Abril; assistiu a todas e cada uma das glórias e misérias das nossas comparativamente pequenas existências individuais e colectivas.
O que é isto de que estou a falar? De um líquene que vive, há cerca de oito mil anos, agarrado a um bloco errático na Serra da Estrela. Desses (líquenes e blocos) que por aí há aos pontapés. Assim o soube pelo Bloco de Notas do CISE b.n. CISE nº 17, Inverno 2006/2007. Onde está esse líquene? Não sei. Se soubesse, não o diria aqui.
Não há fotografias na edição de hoje do tradicional post de fim de semana. Mas seriam escusadas aqui: nem com mil imagens conseguiria transmitir a vertigem que senti quando soube da existência deste líquene.
Numa escala temporal diferente mas ainda assim impressionante, podia também referir teixos da época dos descobrimentos, que infelizmente arderam no incêndio do Verão de 2005. É pena.
4 comentários:
A verdade é mesmo essa...infelizmente, chegámos a um ponto em que a melhor maneira de proteger algo é não divulgando a sua localização...pelo menos, se estamos a falar de plantas (ou de outros seres vivos)no seu habitat original.
Será isto um "fundamentalismo"? Talvez, mas é um "mal" necessário contra a estupidez (sem aspas) humana!
Em relação aos teixos, ainda hoje me custa passar no Vale do Zêzere. Aliás, foi preciso passar mais de um ano para arranjar coragem e lá passar...alguns teixos sobreviveram, mas foi uma grande ferida naquele que era o melhor núcleo da espécie em Portugal (recorde-se que só já crescem espontaneamente em pontos localizados da Estrela e do Gerês).
Além disso, acabou por tornar inglório o trabalho que a Associação de Produtores Florestais do Paul tinha aí realizado, no âmbito do Programa "Life".
Pedro, é mesmo verdade que eu não sei onde está este líquene. O artigo onde vi referência a ele não o diz, coisa que acho muito bem (se calhar, por isso talvez possa ser considerado fundamentalista. Mas acho que não).
Já referi a vertigem que senti por saber de uma criatura viva há 8000 anos, aqui tão perto. Mas depois de acalmado o assombro, pus-me a pensar que, se calhar, este líquene não é único. E pus-me a em todos os líquenes que já pisei nas caminhadas e corridas e todos os que já raspei nas vias de escalada, que idade teriam e se teriam sobrevivido. E pus em causa a legitimidade com que pratico a minha actividade favorita. Aqui, sim, acho que estou a resvalar para o que se costuma considerar um certo fundamentalismo. Mas, por enquanto pelo menos, é um fundamentalismo que me afecta apenas a mim, não o quero para já impingir a ninguém.
Como dizia há tempos, devemos ganhar consciência dos sulcos que deixamos atrás.
Talvez quem sabe um dia, ira mostrar-me esse liquene!
Um bom fim de semana para todos os serranos e nao so.
Al, não sei (a sério!) onde está esse líquene. O Bloco de Notas b.n. nº 17 do Inverno 2006/07 ainda não está disponível online (eu tenho apenas a versão em papel). Quando estiver (mantenha-se atento a http://www.cm-seia.pt/turismo/cise_bn.asp) poderá ficar a saber, deste líquene, tanto como eu.
Um abraço!
José Amoreira
Enviar um comentário