segunda-feira, outubro 16, 2006

Barragem secará Ribeira de Cortes no Verão!

Acabei de lêr a Declaração de Impacte Ambiental (DIA, o resumo não tecnico do estudo de impacte ambiental está aqui) e respectivas condicionantes para o projecto da barragem da Ribeira de Cortes e esta a primeira conclusão que se pode tirar: a ribeira de cortes pode secar durante Agosto e Setembro! O documento tem 10 páginas e apresenta 4 condicionantes gerais que necessitam de ser cumpridas para que o projecto seja aprovado. Destas 4, três são as balelas do costume que funcionam para todos os projectos de barragens e apenas um tem referências especificas para este caso. Trata-se de um anexo ao documento de DIA, em geral, bastante bem pensado focando pontos interessantes quer a nível de redução do impacte das obras e suas infra-estruturas quer a nível da posterior recuperação das áreas intervencionadas. Fiquei tambem surpreendido ao constatar que a manutenção do caudal ecológico tinha um regime de volumes definido para cada mês o que é uma melhoria relativamente aos caudais ecológicos acordados com Espanha para rios internacionais cujos regimes eram definidos anualmente! No entanto, quando a esmola é grande o pobre desconfia e uma consulta do quadro dos caudais mínimos mensais exigidos mostra que para o mês de Agosto e Setembro este valor é ZERO! Ou seja, a torneira da barragem vai fechar completamente e a ribeira seca! Mas o caricato deste anexo não fica por aqui. O anexo enumera a módica quantia de 54 medidas a tomar pelo futuro proponente do projecto, das quais apenas 9 são obrigatórias! As outras são e passo a citar "Medidas a considerar"! As únicas verdadeiras condicionantes são, de facto, a manutenção do caudal ecológico (e que desgraça) e a realização de uma série de estudos para avaliar o impacte de diversas escorrências na qualidade da água da albufeira e um levantamento dos invertebrados da zona. À consideração do construtor ficam medidas importantes como:
  • ...instalação de moto-bombas e acesso a viaturas de combate a incendios...
  • Assinalar e vedar, antes do inicio das obras,todas as áreas naturais com valor ecológico existentes na envolvente da albufeira...
  • Priviligiar a instalação de estaleiros em áreas já descaracterizadas e degradadas...
  • Todos os acessos e zonas de obras deverão estar vedados e com acessos condicionados, por forma a evitar a ocorrencia de acidentes envolvendo a população.
  • Implementar um programa de controlo de vazamentos e derramamento de resíduos, óleos, lubrificantes e solventes...
  • No troço a montante e a jusante da albufeira a galeria ripícola deverá ser recuperada e valorizada.
  • Remoção integral das diversas infra-estruturas instaladas no empreendimento (isto após terminarem as obras)

e muitas outras medidas bem pensadas mas que de facto não servem para nada pois não são obrigatórias! Que gasto de papel, que gasto do meu tempo a ler tal documento! O que vai acontecer é assim que alguma destas medidas se torne demasiadamente incómoda ou dispendiosa para o construtor será pura e simplesmente descartada.

  • Nota posterior: reparei hoje (18/10/06) que o blog Cortes do Meio tem um texto com referência semelhante à expressão caudal ZERO para Agosto e Setembro. Esse texto foi colocado antes do meu mas não tinha conhecimento dele, foi apenas uma coincidência. Para consultar o texto do Cortes do Meio ver aqui.

5 comentários:

ljma disse...

Boa, boa, TPais!

Num país onde se consideram aceitáveis caudais ecológicos mínimos de zero metros cúbicos, é só um bocadinho delirante imaginar que, na intimidade do seu gabinete, da boca do Sr. Secretário de Estado do Ambiente se pudesse ouvir o seguinte resmungo:

"Eh, pá, isso do caudal mínimo ser zero metros cúbicos... Francamente, de onde virá tanta água para manter esse caudal ecológico?! É impossível, não podemos manter um caudal tão enormemente elevado. A verdade é que não há almoços grátis! Como eu costumo dizer, não podemos hipotecar o futuro em nome conservação dos... Dos... (ouve lá ó acessor, como é que se chamavam os bicharocos? Sim, os da Ribeira das Cortes! O quê, não sabes? Ai não vem no estudo de impacto ambiental? Mas então não queres ver que os marmanjos que fizeram o estudo não estudaram o sítio? Ai foi chapa cinco e está a andar?) (Ora gaita, como é que agora descalço a bota?) Ah, já sei: Não podemos hipotecar o futuro em nome conservação dos invertebrados que vou mandar inventariar. Se não for muita maçada, claro. E se ainda houver funcionários do ICN para isso, claro. E se os bicharocos não se extinguirem como resultado da construção da barragem, claro."

Sou só eu que sou muito picuínhas ou há mais quem ache que um estudo de impacto ambiental que é aprovado com a condição de ser feito um levantamento das espécies eventualmente afectadas pela obra que o motiva não vale o papel onde foi escrito? Cá para mim, se eles nem sequer chegaram a indicar que espécies serão afectadas, que raio de avaliação é que podem ter apresentado dos impactos que potencialmente se farão sentir?!

TPais disse...

A ideia que dá, depois de se ler o EIA e o DIA, é que o estudo de impacto na fauna e flora da área afectada ficará a cargo do proponente com um ou outro responável ambiental (que não se percebe se é do ICN, do PNSE ou de outra entidade qualquer) a acompanharem o processo!! Ou seja, o construtor que nada percebe de ambiente é que vai tomar conta do assunto, já agora porque não pomos os lobos a tomar conta das ovelhas sem nos esquecermos de ter lá os pastores a olhar!
O que eu me pergunto é se de facto algum dos intervenientes na elaboração destes 2 documentos chegou se quer a por os sapatinhos na zona da futura barragem ou se simplesmente se limitaram a olhar para uns mapas e umas fotos(talvez aéreas) chegando à brilhante conclusão que, na sua opinião, "um espelho de água" naquela zona benefeciava uma paisagem demasiado monocromática(é o que está escrito no EIA)!
Mas então isto do estudo de impacto ambiental (EIA) é uma questão de gostos!Então estão a dizer-me que a natureza tem mau gosto?!Por acaso já desconfiava disto, aquele cantaro magro está com cores que já passaram de moda!
Caros secretários de estados e afins representantes do nosso património natural, o EIA tem de ser objectivo, não pode depender de quem o elabora! Simplesmente tem de avaliar os impactes num determinado ambiente, não é legitimo tentar acrescentar impactes positivos à força só porque se quer ver o projecto realizado!Percebam que o património natural é como é; nenhuma alteração introduzida por nós homens vai de algum modo beneficiar este património!

Al Cardoso disse...

Sim nao sera com tecnicos destes de gabinete, que seremos alguma vez um pais virado para o ambiente.

O que e preciso e betao, isso e que da dinheiro, para alguns pelo menos!!!

Anónimo disse...

Caro TPAIS,

antes de mais, apresentamos os nossos cumprimentos e seja bem-vindo à Blogosfera. A forma, consciente, imparcial e equilibrada, com que exprime as suas opiniões e preocupações são sem dúvida uma mais valia para todos e para a região; os nossos sinceros parabéns (se nos permite, estendemos os nossos elogios ao LJMA).
Não era necessário justificar-se, de qualquer forma agradecemos. A coincidência de expressões advém única e simplesmente da partilha das mesmas preocupações, só isso. Despedimo-nos desejando o maior sucesso para vós e para a Plataforma para o Desenvolvimento Sustentável da Serra da Estrela (PDSSE); sempre que quiserem, podem contar com o nosso humilde contributo.

Cumprimentos,

Blog Cortes do Meio

Gillie disse...

Eu avisei...

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!