Acabei de lêr a Declaração de Impacte Ambiental (DIA, o resumo não tecnico do estudo de impacte ambiental está aqui) e respectivas condicionantes para o projecto da barragem da Ribeira de Cortes e esta a primeira conclusão que se pode tirar: a ribeira de cortes pode secar durante Agosto e Setembro!
O documento tem 10 páginas e apresenta 4 condicionantes gerais que necessitam de ser cumpridas para que o projecto seja aprovado. Destas 4, três são as balelas do costume que funcionam para todos os projectos de barragens e apenas um tem referências especificas para este caso. Trata-se de um anexo ao documento de DIA, em geral, bastante bem pensado focando pontos interessantes quer a nível de redução do impacte das obras e suas infra-estruturas quer a nível da posterior recuperação das áreas intervencionadas. Fiquei tambem surpreendido ao constatar que a manutenção do caudal ecológico tinha um regime de volumes definido para cada mês o que é uma melhoria relativamente aos caudais ecológicos acordados com Espanha para rios internacionais cujos regimes eram definidos anualmente!
No entanto, quando a esmola é grande o pobre desconfia e uma consulta do quadro dos caudais mínimos mensais exigidos mostra que para o mês de Agosto e Setembro este valor é ZERO! Ou seja, a torneira da barragem vai fechar completamente e a ribeira seca! Mas o caricato deste anexo não fica por aqui. O anexo enumera a módica quantia de 54 medidas a tomar pelo futuro proponente do projecto, das quais apenas 9 são obrigatórias! As outras são e passo a citar "Medidas a considerar"!
As únicas verdadeiras condicionantes são, de facto, a manutenção do caudal ecológico (e que desgraça) e a realização de uma série de estudos para avaliar o impacte de diversas escorrências na qualidade da água da albufeira e um levantamento dos invertebrados da zona.
À consideração do construtor ficam medidas importantes como:
- ...instalação de moto-bombas e acesso a viaturas de combate a incendios...
- Assinalar e vedar, antes do inicio das obras,todas as áreas naturais com valor ecológico existentes na envolvente da albufeira...
- Priviligiar a instalação de estaleiros em áreas já descaracterizadas e degradadas...
- Todos os acessos e zonas de obras deverão estar vedados e com acessos condicionados, por forma a evitar a ocorrencia de acidentes envolvendo a população.
- Implementar um programa de controlo de vazamentos e derramamento de resíduos, óleos, lubrificantes e solventes...
- No troço a montante e a jusante da albufeira a galeria ripícola deverá ser recuperada e valorizada.
- Remoção integral das diversas infra-estruturas instaladas no empreendimento (isto após terminarem as obras)
e muitas outras medidas bem pensadas mas que de facto não servem para nada pois não são obrigatórias! Que gasto de papel, que gasto do meu tempo a ler tal documento! O que vai acontecer é assim que alguma destas medidas se torne demasiadamente incómoda ou dispendiosa para o construtor será pura e simplesmente descartada.
- Nota posterior: reparei hoje (18/10/06) que o blog Cortes do Meio tem um texto com referência semelhante à expressão caudal ZERO para Agosto e Setembro. Esse texto foi colocado antes do meu mas não tinha conhecimento dele, foi apenas uma coincidência. Para consultar o texto do Cortes do Meio ver aqui.
5 comentários:
Boa, boa, TPais!
Num país onde se consideram aceitáveis caudais ecológicos mínimos de zero metros cúbicos, é só um bocadinho delirante imaginar que, na intimidade do seu gabinete, da boca do Sr. Secretário de Estado do Ambiente se pudesse ouvir o seguinte resmungo:
"Eh, pá, isso do caudal mínimo ser zero metros cúbicos... Francamente, de onde virá tanta água para manter esse caudal ecológico?! É impossível, não podemos manter um caudal tão enormemente elevado. A verdade é que não há almoços grátis! Como eu costumo dizer, não podemos hipotecar o futuro em nome conservação dos... Dos... (ouve lá ó acessor, como é que se chamavam os bicharocos? Sim, os da Ribeira das Cortes! O quê, não sabes? Ai não vem no estudo de impacto ambiental? Mas então não queres ver que os marmanjos que fizeram o estudo não estudaram o sítio? Ai foi chapa cinco e está a andar?) (Ora gaita, como é que agora descalço a bota?) Ah, já sei: Não podemos hipotecar o futuro em nome conservação dos invertebrados que vou mandar inventariar. Se não for muita maçada, claro. E se ainda houver funcionários do ICN para isso, claro. E se os bicharocos não se extinguirem como resultado da construção da barragem, claro."
Sou só eu que sou muito picuínhas ou há mais quem ache que um estudo de impacto ambiental que é aprovado com a condição de ser feito um levantamento das espécies eventualmente afectadas pela obra que o motiva não vale o papel onde foi escrito? Cá para mim, se eles nem sequer chegaram a indicar que espécies serão afectadas, que raio de avaliação é que podem ter apresentado dos impactos que potencialmente se farão sentir?!
A ideia que dá, depois de se ler o EIA e o DIA, é que o estudo de impacto na fauna e flora da área afectada ficará a cargo do proponente com um ou outro responável ambiental (que não se percebe se é do ICN, do PNSE ou de outra entidade qualquer) a acompanharem o processo!! Ou seja, o construtor que nada percebe de ambiente é que vai tomar conta do assunto, já agora porque não pomos os lobos a tomar conta das ovelhas sem nos esquecermos de ter lá os pastores a olhar!
O que eu me pergunto é se de facto algum dos intervenientes na elaboração destes 2 documentos chegou se quer a por os sapatinhos na zona da futura barragem ou se simplesmente se limitaram a olhar para uns mapas e umas fotos(talvez aéreas) chegando à brilhante conclusão que, na sua opinião, "um espelho de água" naquela zona benefeciava uma paisagem demasiado monocromática(é o que está escrito no EIA)!
Mas então isto do estudo de impacto ambiental (EIA) é uma questão de gostos!Então estão a dizer-me que a natureza tem mau gosto?!Por acaso já desconfiava disto, aquele cantaro magro está com cores que já passaram de moda!
Caros secretários de estados e afins representantes do nosso património natural, o EIA tem de ser objectivo, não pode depender de quem o elabora! Simplesmente tem de avaliar os impactes num determinado ambiente, não é legitimo tentar acrescentar impactes positivos à força só porque se quer ver o projecto realizado!Percebam que o património natural é como é; nenhuma alteração introduzida por nós homens vai de algum modo beneficiar este património!
Sim nao sera com tecnicos destes de gabinete, que seremos alguma vez um pais virado para o ambiente.
O que e preciso e betao, isso e que da dinheiro, para alguns pelo menos!!!
Caro TPAIS,
antes de mais, apresentamos os nossos cumprimentos e seja bem-vindo à Blogosfera. A forma, consciente, imparcial e equilibrada, com que exprime as suas opiniões e preocupações são sem dúvida uma mais valia para todos e para a região; os nossos sinceros parabéns (se nos permite, estendemos os nossos elogios ao LJMA).
Não era necessário justificar-se, de qualquer forma agradecemos. A coincidência de expressões advém única e simplesmente da partilha das mesmas preocupações, só isso. Despedimo-nos desejando o maior sucesso para vós e para a Plataforma para o Desenvolvimento Sustentável da Serra da Estrela (PDSSE); sempre que quiserem, podem contar com o nosso humilde contributo.
Cumprimentos,
Blog Cortes do Meio
Eu avisei...
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