Naaa... Trata-se de um típico bairro das Penhas da Saúde, cujas casas foram construídas (nos anos setenta) sem as necessárias autorizações (talvez entretanto a Câmara da Covilhã tenha regularizado a sua situação legal). Há outros bairros como este nas Penhas. Há perto de cinco anos, algumas destas construções estiveram na iminência de serem demolidas, mas o presidente da Câmara da Covilhã opôs-se, com o sagaz argumento "antes das florinhas estão as pessoas." É, inegavelmente, uma mais-valia, que irá contribuir para fazer das Penhas da saúde uma "área de projecção nacional e internacional, com que Portugal possa concorrer em termos de turismo de montanha com outras da Europa, nas cidades dos maciços mais conhecidos, como os Alpes ou os Pirinéus".
Referi-me a este assunto aqui e aqui.
2 comentários:
Olá, é incrível como após tanto tempo consegui descobrir um conjunto de pessoas que está empenhada em defender aquilo que eu tanto estimo, a Serra, e por que tantas vezes tive vontade de lutar e exigir.
É a 1a vez que venho aqui, por certo voltarei, mas quero, então, aproveitar para deixar umas opiniões, talvez novas.
Ao chegar a estas paragens (o Cântaro Zangado) e vindo como alguém que vem de fora, que chega e conhece, tive a sensação de me estar a deparar com um sítio onde se aproveita para levar o “descontentamento” ao rubro e deixar escapar tudo o que se traz na alma, no que trata a defender a Serra.
Tive a sensação imediata de extremismos, não o pensei, senti-o.
Infelizmente, a meu ver, estamos cada vez mais habituados a assistir a diversas formas de extremismo todos os dias, e que têm tornado, à custa do slogan ”tem que haver posições divergentes para que possamos evoluir”, as nossas vidas em constantes guerras onde as pessoas, culturas, meios sociais se dissociam apesar do que têm em comum.
Parece-me que é também uma fonte para que as pessoas deixam crescer em si o sentimento narcisista comum de que cada um vale por si e que em última instância os leva a desprezar tudo o que os rodeia (incluindo a Natureza, um futuro melhor para todos, um saber viver em comunidade etc.) e até quem sabe a “matar o vizinho” se isso o fizer sobreviver na “Selva” dos dias de hoje.
Mas se por um lado lhes reconheço os defeitos, aos extremistas, também me parece que em certos casos, a coisa não vá lá por menos, perante poderes prepotentes ou estabelecidos, afinal de contas é mesmo o povo que deve mandar, mas não aquele narcisista..
Talvez as situações flagrantes que se encontram na Serra de perfeito desrespeito exijam uma posição assim, ou talvez não.
Uma vez que também falam em meu nome, ao falar de defesa dos interesses da Serra, sinto-me no direito de vos pedir que não caiam no mesmo círculo, que estejam sempre abertos a alternativas que possam de alguma forma conjugar vontades e permitir que um e outro lado do mesmo problema consigam chegar a um fim comum, ainda que não o vosso “ideal”. Parece-me possível isto acontecer sem que percam de vista ou deixem de seguir os vossos ideais e fundamentos mais profundos.
Porque assim me parece que é a única forma de realmente evoluir sem que as vossas ideias se percam na classificação de “extremista” e deixem de parecer àqueles que vos apoiariam mas não vos conhecem, como uma ideia inexequível, e que é sem dúvida um ponto a favor do outro extremo contrário.
Este poderia ser um discurso para um qualquer político que circula por aí.. É para vocês que defendem uma causa que não é só vossa, o que a torna política, e por ser nobre merece a minha consideração.
Mas porque esta situação tem um exemplo aqui vai:
Eu cresci em convívio com a natureza da Serra e com tudo o que de mais maravilhoso ela tem, desde os altos penhascos, aos ventos agrestes, as tempestades, o sol quente e o cheiro a granito, e as naves desertas mas também os pastores, os campistas, e o “povo” da Serra.
Tudo isto só foi possível concerteza porque houve instalações onde eu pude ficar, para que pudesse ficar mais tempo, mais perto e acordar de manhã cedo para ver o ar quente chegar ou deixar-me ficar até noite para ver tantas estrelas como nunca imaginei.
É importante que haja uma comunidade nas Penhas da Saúde, que existam casas, que existam acessos, que exista organização, educação, negócio, sentido ambientalista, pessoas.. Só assim as pessoas conseguem ter um espaço suficientemente bom para poderem estar tempo suficiente para partirem à descoberta de sítios mais recônditos e maravilhosos ou simplesmente ao ar livre ou outros que embora visitáveis sejam alvo de uma restrição e protecção incondicional como já sucede em zonas de outros parques naturais do país. Inclusive fazê-lo por outros meios menos poluentes ou com outros objectivos sejam eles científicos, ambientais, ou de lazer, mas sem dúvida mais saudáveis e abranjentes no que toca a aproveitar a Serra, para todos e para ela.
Só assim haverá o interesse de todos em manter e cuidar algo, só conhecendo e tendo essa oportunidade de forma sustentável.
Tenho perdido muito do gozo que tinha em ir viver a Serra à custa de muitas alterações que lhe fizeram, desde construções atípicas, descabidas, fora daquilo que deveria ser um padrão comum e aceitável, à violação dos espaços envolventes das moradias por ela espalhadas, até à perda dos caracteres típicos da serra (um chão de granito branco, os arbustos, as árvores e espécies típicas) as urbanizações excessivas, os alcatroamentos em brita cinzenta, os campos de futebol à “bairro da lata”, o lixo, os edifícios camarários “às 3 pancadas”, a desorganização etc.
Mas quem conversa com alguns habitantes dos conhecidos “ bairros da lata” verifica que o tempo ali passado serviu para que disfrutassem da Serra e que por opção deles não teriam casas de lata, teriam uma urbanização devidamente estruturada dentro dos critérios que mencionei, a qual lhes teria sido permitida com direito de construir, reformulando obrigatoriamente as casas e o seu ambiente em redor, e tudo devidamente inspeccionado. Mas nunca acontecerá enquanto permanecerem na dúvida do que pode acontecer. Esta opinião presenciei-a eu.
É minha opinião que se poderiam estabelecer nas Penhas da Saúde regiões delimitadas, que incluem quase todas as zonas onde existem construções, onde sob um plano bem estabelecido todos teriam que intervir. Parece-me descabida e interminável a discussão sobre as demolições de uma grande proporção das casas, há que ser selectivo, também entendedor, empático com quem lá vive, encontrar a tal conjugação de objectivos, pois não imagino como seria se tudo fosse abaixo, ficaria melhor?! Não me parece! O espaço já está por si “violado”, há opções que impedem que se torne em algo bem pior.
Não me parece que as posições tomadas por uns e outros tenham melhorado a situação, talvez seja tempo de mudar.
Também me parece que são inúmeras as situações que merecem discussão, eu falo desta referente aos “bairros da lata” que me pareceu importante e que introduziria uma questão de fundo, a da organização de esforços.
Penso que urge que se faça algo, consertado, ponderado, mobilizando as entidades envolvidas, mas conjugando interesses. Porque se reconhece que a falta de conhecimento e de regulamentação no sentido de deixar que as pessoas disponham dos espaços também leva ao abandono e não à preservação.
Aguardo comentário, e certamente intervirei mais vezes.
Davs
Caro Davs, não darei resposta a todos os aspectos da sua intervenção, mas vou tentar tocar nos mais importantes.
1.
Não me considero extremista, mas admito que assim me considere. Mas não sei porquê. Repare, como já disse várias vezes, bastava uma sombra de um vestígio de uma vaga preocupação com o ambiente e a paisagem, fugaz e subtil que fosse, para calar o cântaro zangado. Ou melhor, bastava uma no cravo, de vez em quando, entre tantas, tantas que caem na ferradura...
Muito francamente, suspeito que sentiu no nosso blog esse extremismo que refere, apenas por considerar a nossa opinião muito diferente da sua. Descanse que não lhe vou responder na mesma moeda...
A palavra extremista é também muitas vezes usada para caracterizar alguém que se recusa a discutir seriamente pontos de vista diferentes. Não, nesse sentido não sou, de modo algum, extremista. Estou disposto a discutir calmamente e com bons modos tudo e todos, mas quero que a discussão se mantenha séria e sem flores de retórica generalistas, que depois são contrariadas quando se passa ao terreno. Por exemplo, nos seus grandiloquentes discursos, todos os responsáveis da região se mostram, em geral, contrários às asfaltações na serra mas vêmo-los a apoiar entusiasticamente todos os projectos em que, concretamente, essa questão se põe! Tenho que dizer, para falar com franqueza, que o argumento (que o Davs também usa e a que voltarei mais adiante) que "sem aproveitamento do espaço apenas há abandono, não conservação" é uma dessas pérolas da retórica, e é até das mais usadas, aqui e noutras zonas, para justificar os maiores atentados (e que nem sequer evitam o abandono a que os espaços, depois de estropiados, são votados).
2.
Sobre o bairro de lata, a minha opinião expliquei-a aqui e, mais explicitamente, no post scriptum deste artigo. Como se pode ver, falo no bairro de lata apenas para mostrar o absurdo das justificações usadas pela câmara municipal para bloquear a decisão de demolição, por um lado, e para defender a construção desenfreada nas Penhas da Saúde, por outro. Volto a dizer que, por mim, o bairro ia abaixo. Nunca num acto isolado, mas apenas integrado num esforço a sério de requalificação das Penhas da Saúde, coisa que ainda não arrancou, nem estou a ver planos de que arranque. As Penhas não estão hoje mais ordenadas do que estavam há 6 anos (quando se colocou a possibilidade de demolir as casas do bairro de lata), antes pelo contrário: há agora uma rede de esgotos que os canaliza para a ribeira, quando antes eram decompostos na fossa séptica de cada um; há a noção de que já não há probema, porque o estatuto das construções ilegais foi, em larga medida, regularizado, apesar de o desordenamento se manter; há agora mais um bairro, que não é de lata, é de pau, mas que não contribui em nada para a qualidade urbanística das Penhas; há um montão de candeeiros de néon que transformaram o ambiente noturno das Penhas em algo que faz lembrar a segunda circular em Lisboa; há empresas de construção civil empenhadas na construção de condomínios para os que terão de encontrar compradores mais tarde (já não são as pessoas que querem a sua casinha na serra a força por trás da construção civil nas Penhas, agora são os empreiteiros. O resultado destas dinâmicas é bem visível nas cidades)... Por tudo isto, não me parece que se notasse uma melhoria significativa se se "apagassem" simplesmente os bairros de lata, mas continuasse a actual política de ordenamento (chamemos-lhe assim). Seja como for, uma coisa é certa: não há ordenamento possível na serra se se for muito compreensivo (como se tem sido até agora) com as "aspirações" de todos os habitantes da região que querem um casinhoto nas Penhas, com ou sem as necessárias autorizações camarárias, seja ele de lata (por não haver condições para melhor ou por outra razão qualquer), seja de pedra, de pau, seja lá do que for.
3.
Diz que impedir as pessoas de dispor dos espaços "leva ao seu abandono, não à preservação". Já disse que acho esta frase uma uma "pérola" de retórica generalista, sem valor argumentativo nenhum. É que, enquadrando este argumento neste caso concreto, sou levado a perguntar-lhe se permitir que as pessoas disponham do espaço significa permitir que construam os seus casinhotos assim, sem regras nenhumas... É mesmo isso que quer dizer?
4.
Diz também que "O espaço já está por si 'violado', há opções que impedem que se torne em algo bem pior". Bem, o espaço não apareceu violado assim, do nada, nem se violou sózinho. Quem violou o espaço exerceu uma acto ilegal, de violência sobre o território que é de todos. Acho que as opções que diz que existem face ao problema desta violação não devem deixar de ter em mente estes factos e estas responsabilidades. E quais são essas opções? Por favor seja concreto, nada de generalidades sobre requalificações que não são detalhadamente explicadas. É que de uma coisa feia não se faz facilmente uma coisa bonita.
Na nave de Santo António, a opção seguida foi mesmo a de deitar abaixo. Vê grandes prejuízos pelo "abandono" a que a Nave foi sujeita? Acha que ficou pior? Nota ainda uma grande tensão social, um grande descontentamento ou ressentimento pelas demolições? Ao fim destes 20 anos, foi ou não o melhor? E se se demolissem as casas das Penhas, quem é que acha que ainda protestaria, passados vinte anos? Seria uma medida impopular a curto prazo, mas que dava um sinal claro: a Serra que queremos não é esta. Assim, já tudo é permitido, venham as urbanizações, venham os centros comerciais, venham os casinos. E se calhar, se for ano de autárquicas (não quero com isto referir-me especificamente a Carlos Pinto), venham mais umas cabanas de lata...
6.
Em todos os países da Europa podemos encontrar exemplos de uma muito mais adequada resposta ao problema do equilíbrio entre desenvolvimento e conservação. Aquilo que se está a fazer na Serra da Estrela (e que não se vê em mais nenhuma montanha desta dimensão) não serve a protecção do ambiente, mas também não serve o desenvolvimento de um turismo viável a médio prazo. Não estamos a proteger nem a desenvolver. Estamos, apenas, a estragar.
Caro Davs, respondi apenas aos pontos que me chamaram mais a atenção. Perdoe-me se deixei outros por focar, chame-me a atenção para os que lhe parecerem mais importantes.
Estamos aqui no Cântaro Zangado para tentar convencer os outros daquilo em que acreditamos. O único método que consideramos aceitável é o da discussão racional, franca e educada (mesmo que, às vezes, as coisas "aqueçam" um pouco) dos diferentes pontos de vista. Principalmente por isso, por permitir alargar uma discussão que deveria ser muito mais participada, quero agradecer-lhe o seu comentário.
Por favor, apareça mais vezes, que é a falar que a gente se entende.
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