quinta-feira, março 02, 2006
O que é que é notícia?
O que vi da serra na televisão durante o carnaval foi que a neve caía e que os turistas não podiam chegar à pista de esqui. Vi imagens de pessoas a escorregar em plásticos ou trenós na pequena praça à frente do parque de campismo das Penhas da Saúde, a aproveitar o que podiam na impossibilidade de chegarem à Torre. Alguns destes turistas foram entrevistados, naquelas entrevistas sem inspiração, em que o jornalista nada tem a perguntar a pessoas que nada têm a dizer, mas mesmo assim a entrevista acontece, como a que se segue:
Pergunta: "Então, o que acha da neve?"
Resposta: "Ah, acho bonita..."
Pergunta: "Está a gostar?"
Resposta: "Ah, sim, muito..."
Pergunta: "E o que acha de as estradas estarem cortadas?"
Resposta: "Ah, pois, é pena..."
E, no entanto, outros turistas visitaram a Serra durante o carnaval, turistas que não vinham apenas ao ski (ou ao sku). Ficaram acampados no Covão da Ametade, curtiram alegremente (uns mais, outros menos, claro) os nevões que lhes cobriram as tendas, chegaram pelos seus pés à Torre, subindo por trilhos cobertos de neve. Turistas que se divertiram (uns mais, outros menos, claro) durante as miniférias e não ficaram desapontados por as estradas estarem cortadas. Ainda não sei quantos foram este ano, mas houve edições (e já lá vão mais de vinte, uma por ano) em que se reuniram mais de 400 turistas montanheiros no Nevestrela. Não sei porquê, este ano nenhum orgão de comunicação (que eu saiba) considerou este acontecimento notícia, nenhum entrevistou uma destas pessoas, que (imagino) teriam muito melhores histórias para contar do que as que ficaram na vizinhança dos hotéis à espera que a estrada fosse desimpedida, balbuciando "Ah, sim, a neve é bonita...", "Ah, sim, as estradas estão cortadas..."
Note-se que não pretendo fazer publicidade ao Nevestrela, agora já tardia. Participei no Nevestrela uma única vez há quinze anos e achei que era gente a mais para o meu gosto. Só quero mostrar que há outras maneiras de gozar a Serra, que há clientela para outros turismos, mesmo que este ano não cheguem (vá-se lá saber porquê) aos telejornais.
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Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!
2 comentários:
O que mais me chateia é a proliferação de grupinhos pseudo especialistas em guias de natureza a cobrarem, a comercializarem a natureza. A natureza é uma dádiva, um privilégio, e a sua comercialização em nome de ecoturismo, repugna-me. Por isso, até agora não alinhei em giros pagos. Octávio Lima (ondas3.blogs.sapo.pt)
Sim, essa mafia é, de facto, repugnante. Mas a mim, pessoalmente, os que mais me chateiam mesmo (dentro desta malta que se diz da natureza, e tal) são os "radicais", estes vendedores de doses rápidas de adrenalina, enlatadas e prontas a consumir, "frissons" sem significado pessoal nenhum, que não conduzem a nenhum amadurecimento, a nenhuma expansão das nossas capacidades para estar na (e usufruir da) natureza. Vai-se a estas coisas (o pacote típico inclui paint-ball, bunjee-jumping, rappel, escalada e o inevitável slide, em estruturas artificiais de pequena dimensão, ao som estridente de cançonetazitas "radicais"), como quem vai a uma atracção mais apavorante numa banal feira de diversões. Estas patetices frívolas nada têm que ver com a busca da emoção e do enriquecimento que por vezes se encontram para lá do limite do que nos julgamos possível, mas, enfim, parece ser o que está a dar!
Também me repugnam os magotes dos "raids" TT, e os das moto4 (caramba, como são barulhentas! Deve ser propositado...).
Apesar do desprezo que, pessoalmente, sinto por todas estas actividades, parece-me que são infinitamente menos agressivas para o meio ambiente do que o que as "forças vivas" das regiões da Serra da Estrela têm preconizado. Assim, tenho sugerido aqui n'"O Cântaro", de forma não muito explícita, o desenvolvimento destas palermices, um pouco à imagem do que se faz no Gerês, porque elas são menos incompatíveis com a minha maneira de viver a Serra. Muito eu gostava que as pessoas aqui começassem a ver que há outras maneiras de ganhar dinheiro com os turistas sem esta urbanização galopante com a qual ninguém lucra (excepto os promotores, claro).
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