quarta-feira, abril 15, 2009

Pensar, debater e planear com pés e cabeça

Leio no blog de José Sá Fernandes que está em preparação a Nova Carta Estratégica de Lisboa, um documento que "será um refrencial estratégico para o desenvolvimento da cidade e para a concretização de projectos estruturantes, até 2024". Diz José Sá Fernandes que "Lisboa precisa de ser pensada, debatida e planeada «com pés e cabeça». Não deve andar à deriva e ao sabor de sound bytes ou impulsos de ocasião".

E na serra da Estrela? Quando ultrapassaremos o andar à deriva, ao sabor de sound bytes e de impulsos de ocasião?

Exemplos de que andamos à deriva, ao sabor de sound bytes e de impulsos de ocasião, de que não planeamos "com pés e cabeça" e de que não debatemos (nem bem, nem mal: não há debate, pura e simplesmente)? Cá vão uns poucos:

  • A instalação de uma base da Força Aérea na Torre nos anos sessenta. Que profundidade tiveram os estudos que justificaram a indispensabilidade daquela estrutura? Note-se que ela funcionou apenas durante cerca de dez anos, tendo sido abandonada pelos militares no início dos anos setenta.
  • Um modelo de gestão do turismo baseado na figura da concessão exclusiva (a da Turistrela), decidido há mais de trinta anos (ainda no tempo de Marcello Caetano, entenda-se) e válida ainda por outros tantos, pelo menos. Quem o considera benéfico? Por que razões? Quais as suas vantagens e desvantagens? Alguma instituição faz avaliações do desempenho da concessionária?
  • A vergonhosamente malograda tentativa de construção de um teleférico, entre Piornos e Torre, nos anos setenta. Quem a decidiu, como base em que estudos, que reflexão ou debate houve para a justificar? Da qualidade desses estudos, reflexões e debates ficamos com uma ideia sabendo que a obra foi interrompida já quase no final (depois de todas as estruturas instaladas), ao que me disseram porque se verificou que a intensidade dos ventos sobre a Nave de Santo António tornava perigosa a exploração do teleférico. Durante trinta anos, os cabos, as estações e a torre de suporte central, no Espinhaço de Cão, "enfeitaram" a paisagem sobre a Nave de Santo António, até que no final dos anos noventa se removeu tudo, à excepção do grande mamarracho em ruínas que ainda domina a zona, nos Piornos.
  • Pois agora, poucos anos depois de se ter removido o entulho da anterior tentativa, o "sonho" do teleférico (agora dá-se-lhe o nome de telecabine) ressuscitou, tendo-se já "apalavrado" o indispensável financiamento público e tudo. Quem decidiu que o teleférico é benéfico? Que reflexões, estudos e debates é que, desta vez, foram feitos?
  • O projecto da "minicidade" das Penhas da Saúde com que a Câmara Municipal da Covilhã afirma que quer concorrer com os Pirinéus e os Alpes, baseia-se em quê? Que debate, que reflexão, que estudos, que projecções apoiam esse projecto?
  • Aquela espécie de "feira indoor" que é o centro comercial da Torre. Quem a decidiu, com base em que estudos, que papel tem numa visão estratégica do turismo da serra da Estrela? Que consenso a justifica e mantém?

Que andamos à deriva e ao sabor de sound bytes nota-se até quando damos sinais de que tentamos não o fazer. Há alguns anos, vários municípios da região encomendaram à Universidade da Beira Interior um programa sobre o turismo na serra da Estrela, a que se deu o nome de Programa Estratégico de Turismo da Serra da Estrela (desse programa ainda está acessível o blog criado para receber opiniões externas). Esse estudo realizou-se, apresentaram-se as conclusões em 2006 e, pura e simplesmente, foi engavetado. Entretanto, foi encomendado um novo estudo, desta vez a uma equipa da Universidade do Porto liderada por Daniel Bessa. Andar à deriva.

Andamos na serra da Estrela à deriva, ao sabor de sound bytes e de impulsos de ocasião (os voluntarismos e "optimismos" do que chamo as forças vivaças). Até quando?

1 comentário:

Anónimo disse...

Este é o preço do sistema totalitário a que está votado o turismo da Serra da Estrela.
Pelos sítios mais ou menos naturais por onde tenho andado, tenho notado (sinceramente) uma vontade de desenvolvimento mais voltada para o ambiente, por parte das autarquias.
Existe uma grande (e muito grave) excepção: a Serra da Estrela.

Estou de acordo contigo.
Realmente creio que existe um único poder na Serra da Estrela.

Acho que a região muito teria a ganhar se a Turistrela fosse para o "galheiro" e se fossem dadas oportunidades a outras opiniões, mais jovens, mais sensatas, menos burguesas, menos pimba.

Sendo um "fâ" absoluto da nossa "Serrinha" tenho muita pena que a estejam a destruir.

Paulo Roxo

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!