sexta-feira, dezembro 19, 2008

Editorial do Diário XXI de hoje

Em primeiro lugar, quero dizer que me agrada bastante o Diário XXI, que costumo ler todos os dias (na internet, confesso). Não me enche as medidas, mas é um jornal decente e arejado, que raramente resvala para o paroquialismo característico de muitos outros exemplos da imprensa regional, e alguns com muito mais pergaminhos que o Diário XXI. (Já agora, também tenho que dizer que, felizmente, há mais alguns jornais regionais que consigo ler.)

O editorial "Bloco de Notas" do Diário XXI de hoje pode ler-se clicando na imagem que ilustra este post. A parte que me interessa é o segundo e terceiro parágrafos, que fizeram surgir em mim algumas questões:

  • Em que sentido afirma o autor que "a mobilidade dentro da Serra da Estrela, à medida que se sobem alguns metros" não é boa? Em 90% dos dias viaja-se perfeitamente pelas estradas da serra, não há quaisquer problemas de circulação ou de estacionamento, excepto os causados pelo mau tempo, que, de qualquer modo, dificultam ou impossibilitam a visitação da serra. É verdade que, nalguns fins de semana e dias de festa, a afluência à serra é tamanha que se torna impossível circular ou estacionar, "à medida que se sobem alguns metros". É preciso fazer alguma coisa para resolver esse problema? Sim, mas devemos ter em mente que para resolver um problema que se faz sentir, digamos, trinta dias por ano (que exagero!) talvez não valha a pena causar estragos na paisagem e no ambiente que se notem não só nesses dias mas também nos restantes trezentos e trinta e cinco.
  • Em que sentido se afirma que "as estradas são poucas"? Que estradas existem para subir ao cume da serra da Gardunha, do Gerês? Ou da sierra de Béjar, Gredos, Penha de Francia? Como se pode subir de carro ao topo da sierra Nevada (havia um estradão para jipes, mas o trânsito foi proibido com cancelas, estando agora reservado apenas veículos da protecção civil)? E nos Pirinéus? E nos Alpes? Em todas as montanhas da Europa, as estradas ficam principalmente pelos vales. Se as estradas são "poucas" na serra da Estrela, o que dizer das restantes montanhas da Europa, caramba?!
  • O que significa dizer que "também não se deve limitar o acesso a zonas interessantes para quem vem a esta zona"? Que devemos asfaltar uma estrada até ao vale da Candieira? Montar um teleférico para a Nave da Mestra? Um funicular pela garganta de Loriga? Será que o autor considera uma limitação ao acesso as portagens que o Parque Nacional da Peneda Gerês impôs ao tráfego automóvel pelo estradão da Mata Nacional de Albergaria? E nos Picos da Europa, onde o acesso com automóvel ligeiro à zona dos Lagos de Covadonga está limitado à capacidade de parqueamento nessa zona, definida oficialmente, devendo os que já não "têm lugar" usar transportes públicos, é esta uma limitação das que não devemos definir aqui?

As acessibilidades numa região de montanha, em particular aquelas com que se pretende servir o turismo, devem no meu entender ser analisadas com um prisma muito especial, que não é aquele com que se estudam os casos gerais. É que as que consideramos indispensáveis para rápida e confortavelmente se chegar ao topo ou, mais geralmente, ao "local de interesse", são as mesmas que os turistas usam para rapidamente se pirarem para fora daqui. Álem disso, reforçam o ênfase no "local de interesse", ao mesmo tempo que retiram interesse na viagem até lá, que pode ser até mais interessante e compensadora. Pior ainda: as estruturas desse acesso sujam e danificam os lugares que atravessam, o que reforça imenso o que acabo de dizer. Isto tudo junto serve apenas para os turistas fazerem o que têm feito na serra. Chegar ao "local de interesse"; brincar um pouco na neve ou fazer um piquenique, alguns deixando lixo que depois se dispersa por todo o lado; e depois, regressar rápida e confortavelmente a casa. A isto, principalmente a isto elevado ao absurdo naqueles absurdos fins de semana da neve, chamamos turismo na serra da Estrela.

No Ben Nevis (Escócia) uma montanha com semelhanças com a nossa (cume achatado, altitude moderada, monte mais alto das ilhas britânicas), onde não há estradas no topo, nem telecabines, nem funiculares, nem nada, estará lá o acesso demasiado limitado? Parece-me difícil defender esta tese, uma vez que todos os anos 150 000 turistas ascendem ao seu cume... Turistas esses que dada a duração da caminhada, têm que permanecer na região alguns dias, pernoitar, restaurar, abastecer-se, contratar guias, etc, etc, etc. Lá não se ouvem as vozes chorando os eternos problemas com os acessos. Sabem porquê? Porque não têm, nem querem, esses acessos que nós por cá consideramos indispensáveis e sempre insuficientes.

Numa coisa estou em total acordo com o autor: é preciso diversificar. Mas para mim isso significa limitar o trânsito rodoviário (eventualmente até encerrar algumas estradas) e criar condições que permitam aos visitantes rápida e confortavelmente contratar trasporte para regressarem ao local de pernoita após uma caminhada longa, alugar bicicletas, cavalos, canoas, instrutores de escalada. Como se faz nas outras montanhas, do Gerês aos Urais. Isso sim, seria diversificar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente, dados os anteriores (recentes) exemplos de "modernização" da Estrela e a julgar pelas decisões das camaras e operadores turisticos locais, vai ser muito mais atractiva a ideia da ampliação das estradas na serra do que a redução do tráfego atravéz de soluções inteligentes.

Em Portugal a grande máxima barrascal continua a ser:

ESTRADAS = PROGRESSO (SEMPRE E EM QUALQUER LUGAR!)

A Natureza? O Ambiente? A Montanha? ANDAR???
Isso são merdas de meia duzia de românticos que não trazem dinheiro nenhum!

O que eles não sabem é que essas merdas também podem trazer dinheiro.

Enfim... em Marrocos não nos safamos!

Paulo Roxo

ljma disse...

Olá Paulo! Vou refrasear uma das tuas frases e continuar a partir daí.

O que eles não sabem é que essas merdas *trazem* dinheiro em todas as montanhas da Europa, até no Gerês.

Eles não sabem que essas merdas são, já hoje, a parte principal do turismo de montanha em toda a Europa. E que são um dos produtos turísticos com maior crescimento de procura.

Eles confundem o que temos na serra da Estrela com turismo de montanha, quando é ao contrário: isto que temos na serra prejudica o turismo de montanha, pelo menos o turismo de montanha como ele se pratica em toda a Europa. Cada novo desenvolvimento disto que cá temos, através da abertura de nova estrada ou alargamento de uma já existente, aumento da capacidade de parqueamento, etc, representa uma nova machadada nas possibilidade de desenvolvimento de um verdadeiro turismo de montanha na serra da Estrela.

Ninguém questiona a validade do fado regional "nós na serra vivemos da neve", quando ele não é "cantado" em mais montanha nenhuma da Europa! Não o é, pelo menos, nas mais conhecidas, incluindo Alpes e Pirineus.

Por fim, não sei se concordo com a tua conclusão:
"Enfim... em Marrocos não nos safamos!"
É que nunca tive em Marrocos. Mas diz-me: o turismo no Atlas é tão foleirote e terceimundista como cá na serra da Estrela?

Saudações!

Anónimo disse...

Bem, pensando bem...
O turismo no Atlas em Marrocos é de longe superior em qualidade ao praticado e fomentado na Estrela.
Vou ter mais cuidado com as metáforas!

Abraço.

Paulo Roxo

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!