sexta-feira, dezembro 12, 2008

Construir, construir, construir!

Pág. 5 do Diário XXI de 3 de Dezembro de 2008. Clique para aumentar.

O Presidente da Câmara de Manteigas tem um projecto para as Penhas Douradas. Num artigo publicado na semana passada pelo Diário XXI (clique na imagem para a tornar legível), são referidos alguns detalhes: centro de estágios desportivos em altitude incluindo piscina de 50 m, ginásio, laboratório de avaliação da condição física dos atletas, 24 quartos duplos, salas comuns, diversos gabinetes. A isto eu acrescento, porque me parece natural que seja considerado, um campo de futebol e uma pista de atletismo, que não cabem num ginásio. O autarca destaca a proximidade de cidades médias como Covilhã, Guarda, Fundão e Castelo Branco para justificar esta aposta (como ao certo não nos explicam no artigo) e afirma que "há uma população vasta que beneficiará do investimento que será transversal a várias modalidades" (o artigo também não explica quem ao certo compõe essa população vasta nem como ao certo é que ela beneficiará).

Mas há mais. O artigo continua dizendo que a aprovação do plano prévio é o primeiro passo, a que se segue um Plano de Pormenor que a Câmara de Manteigas está a elaborar. Trata-se de um plano para um projecto de requalificação que prevê a ligação por funicular ou telecabine entre Manteigas e as Penhas Douradas, uma zona de hotelaria e restauração definida como de "alta qualidade", o aproveitamento (ao certo como não está dito) da lagoa do Vale do Rossim, a criação de espaços museológicos e a adaptação do centro de meteorologia para equipamento multiusos que possa servir também como planetário.

Mas ainda não chega. O estudo sugere também a construção de uma casa do Pai Natal e de um espaço de sentidos (não se explica ao certo o que se entende por isso) que funcionará como "uma espécie de floresta encantada".

Não percebo.

Porque será que os autarcas da nossa região (falo no plural porque a câmara da Covilhã tem projectos similares para as Penhas da Saúde) parecem querer, acima de tudo, que os turistas fiquem hospedados no alto da montanha, onde praticamente não há habitantes permanentes, não há comércio (nem comerciantes), não há cinema, não há teatro, não há salas de exposição, não há cafés, não há museus, onde não há praticamente nada e por isso mesmo tudo tem que lá ser construído, praticamente de raiz? Onde não há praticamente nada e justamente dessa ausência nasce grande parte do encanto desses lugares? Porque é que não se tenta antes alojar os visitantes nas localidades, onde poderiam contribuir para dar vida ao comércio muitas vezes moribundo dos centros históricos que as opções urbanísticas que temos seguido, por um lado, e dinâmicas socio-económicas complexas, por outro, tantas vezes têm votado ao envelhecimento e ao abandono? Onde com um investimento muito menor se poderiam criar dinâmicas de complementaridade (eventos comerciais atraindo turistas, presença de turistas aproveitada por eventos culturais, etc.), que tornassem a localidade mais viva, mais viável, mais atractiva. Mas não. O projecto é encaminhr os (eventuais) turistas para as Penhas, e os habitantes de Manteigas que se mudem lá para cima com os seus negócios, ou que fiquem a vê-los definhar, junto com tudo o resto, na vila. Não, não percebo estas estratégias dos autarcas da nossa região.

Ao escrever estes apontamentos, tive repetidas vezes a sensação de dejá-vu. Já há tempos falei sobre a casinha do Pai Natal, o funicular e tudo o resto, a propósito de anúncios que foram notícia, por exemplo, aqui. No artigo que hoje comento, repetem-se as mesmas expressões, palavra por palavra. Será esta notícia uma notícia nova, ou antes foi construida com material reciclado? Fica a dúvida.

No blog Café Mondego, Américo Rodrigues aponta a autenticidade como uma grande mais valia da zona de Bejár (outras referidas são o encanto das estradas rurais, a ausência de casinos, de túneis. Aposto que ele concordaria em acrescentar também a ausência de centros de estágio em altitude e de casinhas do Pai Natal). Por falar em autenticidade, o que é que, na nossa tradição católica apostólica romana, é autêntico numa casinha do Pai Natal? Como é que se pode integrar uma tão evidente importação do norte europeu num turismo que, segundo se afirma, se pretende de alta qualidade, a implantar na nossa região? E o que virá a seguir? Uma Caverna do Halloween no Covão da Ponte? Já agora...

Não tenho nenhuma antipatia especial pela Câmara Municipal de Manteigas ou pelo seu presidente. Ainda há pouco tempo aplaudi um outro projecto da mesma autarquia.

Sem comentários:

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!