De acordo com o Diário XXI de ontem (o link pode não ser permanente), a aprovação do Plano de Urbanização das Penhas da Saúde pelos serviços do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) depende de um compromisso claro da Câmara Municipal da Covilhã para a demolição do "bairro ilegal, constituído por mais de 170 casas, situado na traseira da Pousada da Juventude".
Ocorre-me a este propósito o seguinte:
- Nas Penhas da Saúde há outro bairro semelhante, ainda mais flagrantemente bairro da lata do que este a que se refere a notícia. Encontra-se mais a Norte, mais perto do local onde em tempos se começaram obras para a instalação de um parque de campismo. Sobre este outro bairro nada se diz na notícia.
- O que a Câmara Municipal da Covilhã pretende para as Penhas da Saúde é (a acreditar no anunciado pela própria câmara) um autêntico delírio: uma estância de montanha "com que Portugal possa concorrer em termos de turismo de montanha com outras da Europa, nas cidades dos maciços mais conhecidos, como os Alpes ou os Pirinéus". A Câmara da Covilhã não compara a serra da Estrela com montanhas algo mais comparáveis como o Gerês, a sierra de Gredos, a de Guadarrama, o Ben Nevis. Não, a serra da Estrela é para concorrer com os Alpes e os Pirinéus! No mesmo anúncio, ficamos a saber o que é preciso para concorrer com os Alpes e os Pirinéus: "500 habitações e zonas de comércio que serão apoiadas por diversos equipamentos sociais, culturais e desportivos" e ainda "a criação de um Pavilhão de Gelo, uma zona multiusos para desportos e festividades e a construção de um posto da GNR". Face tudo isto, francamente: faz algum sentido aprovar seja o que for deste "plano"?
- O bairro que agora se pretende demolir pode ter o aspecto de um bairro de lata. É verdade e já mais de uma vez o dissemos (por exemplo, aqui). Mas também é verdade que muitas outras casas nas Penhas da Saúde, antigas e novas, mesmo não parecendo barracas de lata, não têm muito melhor aspecto (alguns exemplos recentes, já acabados ou ainda em construção, ilustram este artigo). Não há garantias nenhumas de que as 500 habitações que a câmara pretende ver construídas nas Penhas da Saúde se venham a enquadrar na paisagem e no tecido urbano melhor do que estas casas. Antes pelo contrário: a avaliar pelo que tem sido autorizado, pretende-se aparentemente encher as Penhas da Saúde com mamarrachos novo-ricos em estilo pseudo-mamarracho-tipo-alpino-ou-sei-lá-o-quê-à-modernaça. Francamente, prefiro de longe as casinhas de lata!
- Estas casas foram construídas porque diversas pessoas sentiram o desejo (que eu compreendo, mesmo considerando ilícita a forma como o satisfizeram) de usufruir de uma casinha na serra. Em contrapartida, as casas que se começaram há cinco ou seis anos a contruir nas Penhas da Saúde são condomínios com quatro a oito apartamentos, que aparecem não porque alguém, gostando da serra, pretende aí ter uma casa de férias, mas sim porque alguma sociedade de construção civil pretende lucrar com a venda dos apartamentos. (Pelo que se pode observar nas Penhas da Saúde, essa venda não está a ser tão fácil como talvez se pensasse, já que condomínios já acabados há dois ou três anos têm ainda apartamentos à venda.) Vendam-se os apartamentos ou não, constata-se que os planos da Covilhã consistem em aplicar nas Penhas da Saúde o modelo de "desenvolvimento urbano" que tem feito das nossas cidades a maravilha que se tem visto. Não me agrada, prefiro as casinhas de lata a estas apostas imobiliárias, geradoras de Quarteiras e afins.
Concluindo: não me agradam nada as casinhas do bairro atrás da pousada (nem as do outro, a que me referi acima). Mas ainda me agrada menos que se resolva o problema que elas representam pactuando com a criação de problemas ainda maiores. Para pior, já basta assim.
E claro: com tudo o que diversos serviços públicos (incluindo a Câmara) já permitiram ou até promoveram naquele bairro (iluminação pública, asfaltação de acessos, campo desportivo), é óbvio que, a serem demolidas as casas, os seus donos devem ser compensados.
8 comentários:
Concordo plenamente com o seu artigo. Sempre que vou à Serra evito as Penhas da Saude, pois elas cada vez menos me dão saude pessoal e social... Felizmente que a Serra não é só as Penhas da Saude... As Penhas Douradas, local de minha eleição para passar uns dias, não em casas novas, mas em casas já existentes, felizmente vão-se preservando do "Algarveamento"... Desejo e espero que as Penhas Douradas não percam mais o seu ouro (ainda que por vezes com poucos quilates)no meio da Serra
Porquê indemnizar pessoas que ilegalmente ocupam área protegida e trazem problemas ambientais?
Só em Portugal o clandestino compensa sempre. As construções dos "novos ricos" acima mencionados são investimentos legítimos, e a qualidade de arquitectura acima da média. Uma foto de uma obra em tosco assusta sempre- quando acabada revela a qualidade.
Luís Leal, também espero que as Penhas Douradas escapem a esta tendência.
anónimo, entendo que se devem indemnizar estas pessoas porque durante décadas foi-lhes permitido manterem as casas (deviam ter sido impedidas de as fabricar ou ter sido demolidas logo a seguir ou ainda quando foram demolidas as da Nave de Sto António). A câmara municipal legitimou estas ilegalidades quando se opôs às demolições (a última vez foi há cerca de cinco ou seis anos, se não estou em erro), quando inaugurou no bairro (com direito a discurso do presidente e tudo) um campo para desportos, quando asfaltou os acessos, quando autorizou a iluminação pública, etc, etc etc. Cada um destes actos públicos deu aos proprietários das casas (serão igualmente proprietários dos lotes? não sei) sinais de que eram mais ou menos legais e que valia a pena continuar a investir nelas. Aliás, ainda ontem, no Diário XXI, se podiam ler declarações de um dos proprietário em causa, afirmando-se sereno porque o presidente da câmara tinha garantido que as casinhas não seriam demolidas. É por tudo isto que acho que, a serem as casas demolidas, o estado (concretamente, a câmara) deve assumir também as suas responsabilidades que, como se vê, não são nada poucas.
Quanto às casa novas (e a muitas antigas, também), são (na minha opinião, bem entendido) as pimbalhadas novo-ricas que referi. E não é por estarem em tosco (usei uma fotografia de uma construção em tosco, é um facto) que tenho esta opinião. Como é que classifica o condomínio Varandas do Viriato (acabado há dois anos e já a necessitar obras numa das fachadas)? O edifício do estabelecimento Desportos Lindeza? As barracas escandinavas da Turistrela? Ou o caixote inclinado que ilustrei na 1ª foto deste artigo? A qualidade da construção é superior à média? Não foi essa a opinião que me transmitiram uns amigos que andaram à procura de casa para alugar no Verão!
Mas o prinicipal, quanto a mim, nem é o serem bonitas ou feias. É que, actualmente, são mandadas construir não por quem deseja ter uma casa na serra, mas por quem pretende lucrar com a sua venda. Quando entramos nesta dinâmica de mercado, é difícil interrompê-la. Receio que teremos Quarteira nas Penhas da Saúde, a menos que se interrompa este processo já. E é por isso que entendo que o plano da câmara da Covilhã não deve ser autorizado, nem mesmo com a contrpartida da demolição do(s) bairro(s) de lata.
Obrigado pelas vossas participações!
Em relação a esta temática da discussão pública do Plano de Ordenamento do PNSE (e, mais concretamente, do que se passa nas Penhas da Saúde), gostaria de dizer o seguinte:
1º) Lamento que a CM da Covilhã e os seus representantes políticos, eleitos pelo povo e pagos pelos impostos de todos nós, continuem a faltar às reuniões com os técnicos que elaboram estes documentos.
Aí seria o sítio certo para colocar dúvidas ou elaborar sugestões.
Mas confrontar as pessoas cara-a-cara é difícil; é mais fácil "passar" essas críticas na imprensa regional ou em discursos de Domingo de manhã para uma plateia que se quer agradar:
http://www.youtube.com/watch?v=wYVO1Jg_zec
2º) Lamento que, neste caso das edificações de génese ilegal, o Estado se continue a vergar e quase a pedir desculpas para aplicar a lei.
Será verdade o que o "Diário XXI" publicou há dias, de que o ICNB aprovaria a "mega-loucura" urbanística para as Penhas da Saúde a troco da demolição das casas de zinco atrás da Pousada da Juventude?
Mas agora o Estado Central faz "chantagem" ou "negoceia" a aplicação das leis de ordenamento consagradas nas leis da República?
Se o Estado Central não consegue sequer demolir edificações ilegais, conseguirá algum dia aplicar alguma estratégia de protecção de habitats/espécies em risco de extinção ou promover um desenvolvimento que seja compatível com a protecção dos valores naturais do PNSE?
3º) Já o escrevi na "sombra verde" e volto a escrevê-lo aqui. Compreendo, aceito e até sou favorável à legalização de bairros de génese ilegal, existentes sobretudo nas periferias de cidades como Lisboa, construídos numa altura em que não existiam PDM, nem outros instrumentos de ordenamento de edificações urbanas. Mas nestes casos estamos a falar de casas de 1ª habitação.
Para habitações ilegais de férias na Serra da Estrela, na Ria Formosa ou em outro qualquer ponto do território nacional, não pode haver contemplações.
Sejam essas habitações de zinco, de madeira ou de pedra. Bonitas ou feias. De autoria do Sr. Zé ou do Sr. arquitecto XPTO. De pobres ou de novos-ricos.
Casas de férias ilegais são uma afronta à autoridade do Estado de Direito e às mais elementares leis de ordenamento do território,sendo ainda uma afronta a todos aqueles que pagamos impostos, cumprimos as leis e não fizemos o mesmo, ou seja, não fomos lá acima fazer a nossa própria casinha.
4º) O critério para demolir as habitações deve ser bem simples: tiveram ou não uma génese ilegal.
Naturalmente, isto não implica que não tenha sérias dúvidas, tal como o José Amoreira, sobre a estética a "imitar o nórdico" de algumas novas edificações (que suponho serem legais).
5º) O José Amoreira tem razão quanto às expectativas que foram criadas aos ilegais. A Câmara, sempre solícita para promessas e pequenos "arranjos urbanísticos", jamais terá a dignidade para recompensar essas ilusões criadas. Por isso, irá defender esses ilegais até aos limites da lei, até porque sabe da fraqueza do ICNB em fazer cumprir as leis da República.
Obrigado, Pedro. Acho que concordo mais contigo do que comigo. ;)
Pronto, está tudo lixado!
Começou a dar a sua opinião sobre as Penhas Douradas, não tarda teremos o Vale das Éguas inundado de Arcas de Noé.
Vade retro....
Caríssimo anónimo:
Não tenha vergonha ou medo de se identificar...
Nunca entrei na Arca de Noé, embora a conheça. Apesar de ser, de facto um barraco, duvido que a maior parte saiba onde fica... curiosamente os seus ocupantes não rasgaram nenhuma estrada para ter o carrinho à porta, nem mesmo rasgaram as pedras para ter um acesso mais facilitado. Se todos os visitantes da Serra fossem como os que habitualmente utilizam a Arca, talvez a Serra estivesse muito mais preservada e limpa, bem como seria conhecida a pé, por trilhos, e não de popó. Creio que a sua afirmação seja um pouco descabida e até inconveniente. Fique descansado que não é por esse lado que o Diabo entra na Serra.
Fica bem patente neste e nos anteriores posts e comentários do CZ que o tema do ordenamento do território é muito complexo.
Também parece claro que essa complexidade aproveita sobretudo a quem desrespeita as regras do planeamento, dada a ineficácia e arbitrariedade da administração pública.
No caso concreto do POPNSE, é óbvio que, no geral, pretende salvaguardar o superior interesse público e que isso embate contra interesses circunstanciais concretos que me eximo de enumerar.
Os efeitos da aplicação de um plano deste tipo só serão visíveis a médio/longo prazo, de acordo com o tempo próprio dos ciclos naturais, e até lá exige-se porfia e constância na sua aplicação.
Ademais, um plano desta natureza carece de articulação com os restntes instrumentos de ordenamento, sobretudo os PDM, cujo período de vigência termina em Outubro e que deveriam neste momento estar em discussão pública.
Além da articulação destes dois tipos de planos macroscópicos, como arquitecto e cidadão, em matéria de planeamento preocupa-me ainda a escassa articulação destes com os planos de urbanização e dos planos de pormenor, ambos fundamentais para consferir materialidade às directrizes gerais daqueles à escala do cidadão.
Em síntese, a "cascata de planos" que o PNPOT quis disciplinar padece de uma excessiva formalização e, infelizmente, muitas vezes esgota-se nela.
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