sexta-feira, outubro 06, 2006

O ovo de Colombo (2)

Lago de Enol, nos Picos da Europa (imagem indecentemente roubada a Paulo Almeida Santos)
Referi-me há dias à forma como se ordenou o trânsito automóvel no Parque Natural de Ordesa - Monte Perdido. Vejamos outro exemplo.
O principal centro turístico dos Picos da Europa (Astúrias) é, parece-me, a localidade de Cangas de Oniz. Nas vizinhanças desta localidade, situa-se a chamada zona dos lagos, sítio muito aprazível, que atrai muitos turistas. Quando lá estive, num Verão há mais de 10 anos, acedia-se ao local por uma estrada estreita e sinuosa e alguns prados extensos desta zona estavam tranformados em parques de campismo ou de estacionamento. As autoridades consideraram desordenado e excessivo o acesso de automobistas e campistas à zona dos lagos de Covadonga. Até aqui, faz lembrar o que acontece na Serra da Estrela, pelo menos no que se refere aos automobilistas, certo?
O que fizeram os espanhóis, nuestros hermanos? Leia-se o Real Decreto 384/2002, que aprova o "Plan Rector de Uso y Gestión del Parque Nacional de los Picos de Europa", em particular o artículo 2º, ponto E (os sublinhados introduzi-os eu):
E) Ordenación de la accesibilidad.
Para mejorar la estancia de los visitantes es necesario ordenar el tráfico y la accesibilidad en función de criterios de peatonalización y de utilización preferente de medios de transporte colectivos, de acuerdo con:
a) Caminando se podrá acceder al parque nacional por cualquier parte[...]
b) En relación con la regulación de accesos por las vías asfaltadas se adoptarán las siguientes medidas:
1.a Carretera de Covadonga a Buferrera y los lagos. El acceso de vehículos particulares se limitará al 90% de la capacidad del aparcamiento de Buferrera [...]. El resto de los visitantes únicamente podrán acceder mediante el uso de transporte público [...] Sólo se permitirá el acceso rodado al lago de la Ercina asociado a las actividades tradicionales ganaderas de la población local. Estas medidas se completarán con la implantación de un aparcamiento disuasorio en el exterior del parque, preferentemente en las inmediaciones de la localidad de Cangas de Onís, así como con la puesta en marcha de un sistema público y reglado de transporte desde éste a los lagos[...]
Os espanhóis não percebem mesmo nada, pois não? Não fizeram mais estradas, nem alargaram a que já tinham, nem instalaram rails de protecção, nem aumentaram os espaços de aparcamento no coração do parque, nem nada! Como é que querem ordenar seja o que for deste modo?!

Todo o 2º artigo deste decreto é um exemplo de uma real tentativa de equilíbrio entre diferentes pontos de vista: o dos turistas, o dos promotores do turismo, o dos produtores de produtos derivados do leite, o dos ambientalistas. Recomendo vivamente a sua leitura! Recomendo vivamente que se compare o que se decide e se realiza por lá com o que se vai fazendo e desfazendo por cá.

PS: Note-se bem que os Picos da Europa, e Cangas de Oniz em particular, continuam a atrair milhares de turistas todos os anos, em todas as estações. O que fazem estes turistas por lá é o que os turistas fazem em todas as montanhas do mundo civilizado: escalam, passeiam a pé, de bicicleta, a cavalo, de burro, em canoas. Apreciam uma montanha que se mantém apreciável, em suma.

4 comentários:

TPais disse...

Permitam-me acrescentar um:
PS2:Note-se bem que é exactamente por estas medidas serem executadas que os parques espanhois continuam a atrair cada vez mais turistas! Eu sei que eles não são perfeitos e em especial agora com o alargamento de estações de esqui para vales virgens. No entanto, com uma grande humildade deveriamos aprender com eles o que de bem tem sido feito nos seus parques naturais.

Paulo Almeida Santos disse...

Considero este post bastante pertinente, dado que aborda mais um péssimo exemplo nacional no que toca à conservação dos ecossistemas de montanha. No nosso país é rara a serra que não tem uma estrada até ao topo, de preferência asfaltada e idealmente com um tasco para uns "comes e bebes". Os Picos e Ordesa são um exemplo paradigmático de locais com afluências anuais de centenas de milhar de pessoas, onde tudo se faz para minimizar a pressão e o impacto de tantos visitantes. Qual o resultado? Lugares preservadíssimos que, apesar das restrições, continuam muito apetecíveis para os turistas. Para além do baixo grau de consciência ambiental do português, falta coragem política dos responsáveis para tomar dacisões que contrariem os interesses de meia dúzia de "senhores" e os esquemas do poder autárquico. É desesperante...

PS: é um prazer partilhar esta foto com os leitores do "O Cântaro Zangado"! Grande abraço!

Anónimo disse...

Bom Dia,
Também visitei esta zona dos Picos da Europa em 2004(acesso livre até aos lagos) e 2005 (já com restrições e com a criação de parques de estacionamento na saída de cangas de onis donde partem os autocarros). De facto as filas de trânsito desapareceram(no acesso a covadonga e lagos), a viagem torna-se assim mais agradável e o número de turistas não diminuiu, aliás tem vindo a aumentar de ano para ano. Mesmo assim parece que vão construir um funicular até 2008 (ver: http://www.lavozdeasturias.es/noticias/noticia.asp?pkid=297148), o que está a gerar alguma polémica entre os ambientalistas (e não só)devido ao impacto desta construção numa zona tão delicada.
Abraço

ljma disse...

Olá, Refúgio!
O decreto que refiro no artigo inclui também disposições muito limitadoras sobre os teleféricos mas, pelos vistos, foram relaxadas... Seja como for, nestas condições eu já quase nem me importaria com os teleféricos. Uma no cravo, outra na ferradura, já é só o que peço...

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!