Imitando à minha maneira uma iniciativa do Ricardo, leitor do Cântaro Zangado, enviei a seguinte mensagem a Jorge Patrão, presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela (RTSE). A ver o que dá...
Ao cuidado do presidente, Exmo Sr. Jorge PatrãoExmo. Sr.
Chamo-me José Amoreira, moro na Covilhã, sou há muitos anos praticante mais ou menos regular de actividades de montanha, incluindo esqui e montanhismo (escalada, caminhadas, corrida de montanha, BTT). Na medida em que a minha vivência da Serra é uma de lazer, penso que não estará muito errado considerar-me um turista e é nessa qualidade que me dirijo a si. Escrevo-lhe a propósito de declarações suas que foram noticiadas em artigos recentes nos jornais Diário XXI (29 de Março) e Público (31 de Março). Gostaria de colocar-lhe algumas questões para tentar perceber melhor que tipo de desenvolvimento turístico tem em mente para a Serra da Estrela. Passo ao assunto.1. Quando diz que "Para a RTSE não há preservação do ambiente enquanto houver ruínas na Serra", não considera que uma boa maneira de resolver o problema a que se refere é a remoção dessas ruínas? Considera aproveitáveis as torres dos radares? Dada a experiência que temos tido com a Turistrela no que respeita à harmonia arquitectónica ou paisagística (estou a lembrar-me do "bunker" para a venda de forfaits na estância de esqui ou do atravancado bairro dos chalés nas Penhas da Saúde), deposita grandes esperanças na qualidade de uma requalificação (perdoe-me a ironia do pleonasmo) que esta empresa eventualmente venha a levar a cabo nos edifícios da Torre?
2. Numa perspectiva do desenvolvimento do turismo na Serra, o que considera mais importante na requalificação do espaço da Torre, a recuperação desses edifícios a que chama ruínas ou a remoção do lixo que por lá está espalhado, num raio de várias centenas de metros em redor e mais ainda, nalgumas direcções? Que comentários tem a fazer sobre o aspecto de estaleiro que as pistas de esqui apresentam quando não há neve, com o solo revolvido, canalizações semienterradas, restos de materiais de construção por todo o lado? Como avalia o desempenho do actual procedimento para a limpeza da zona da Torre? A quem entende que deve caber a responsabilidade de organizar um sistema eficaz? Ou, pelo contrário, considera que o problema do lixo é uma questão menor, sem grandes implicações ao nível da requalificação do espaço da Torre?
3. Refere as telecabines, argumentando que elas aliviarão o trânsito. Decerto terão sido feitos estudos que apoiam o seu argumento. Esses estudos estão disponíveis para consulta pública? Em quanto, ao certo, espera ver o tráfego diminuido com este investimento? Caso a entrada em funcionamento das telecabines não venha a resolver o problema dos congestionamentos, que respostas perspectiva? Como vê a possibilidade de se condicionar ou se proibir o trânsito pela estrada da Torre, obrigando à utilização das telecabines? E, mais a curto prazo, como vê a da substituição do tráfego de ligeiros por transportes rodoviários colectivos?
4. Ainda sobre as telecabines, no suplemento Local (Centro) do Público de 15 de Fevereiro deste ano, foi publicada uma notícia na qual uma técnica da Turistrela indicava que o ponto de partida da telecabine Lagoa Comprida - Torre ficaria instalado "nas traseiras da lagoa", ou seja, no seu extremo oriental, alegadamente por não haver, do lado da frente (perto da estrada nacional), espaço para um parque de estacionamento com as dimensões consideradas necessárias. A mesma notícia informa que que "no que toca à ligação Torre - Penhas da Saúde, por enquanto é dado apenas como viável o percurso até à Barragem do Padre Alfredo". Tendo em conta (a) que os locais apontados têm estado até agora relativamente a salvo de ruídos e lixos, sendo até considerados, pelo menos no caso do extremo oriental da Lagoa Comprida, locais de grande importância para a biodiversidade e (b) que estas estações de saída das telecabines vão necessitar de acessos asfaltados e grandes parques de estacionamento, gostava que apresentasse as razões que o levam a afirmar que "nenhum dos empreendimentos é nocivo para o ambiente". É que, sem dispôr de esclarecimentos adicionais, estou convencido de que este projecto das telecabines é extremamente prejudicial para o ambiente e para a paisagem, pelo menos nos moldes em que actualmente está colocado.
5. Ainda mais sobre as telecabines: saberá, com certeza, que o trilho de grande rota T1 (o mais longo da Serra) passa perto do extremo oriental da Lagoa Comprida a caminho da Torre. Imagino que o seu traçado siga paralelamente ao da projectada telecabine, e que até se intersectem os dois trajectos nalguns pontos. Por outro lado, o Covão do Ferro, na zona da barragem, é um sítio muito calmo e bonito, apreciado por caminheiros e escaladores. Uma vez que os turistas como eu, que procuram uma comunhão o mais profunda possível com uma paisagem tão intocada quanto possível, não apreciam o cheiro, o ruído e a visão das telecabines, gostava que tecesse alguns comentários justificativos desta opção, em que a RTSE e a Turistrela parecem estar a apostar num tipo particular de turismo em detrimento de outros.
6. Afirma também que todos os projectos são equilibrados. O equilíbrio é uma expressão com que se costuma caracterizar situações em que tendências antagónicas se compensam. Nestes termos, não posso concordar consigo. Como vejo as coisas, num prato da balança temos várias urbanizações, mais estradas, telecabines, parques de estacionamento, hoteis, apartoteis, apartamentos, casino, spas, centros comerciais, ampliação da estância de esqui. No outro prato da balança, um mais voltado para os turistas como eu e para uma verdadeira protecção ambiental, temos o quê? O que é que temos tido ao longo de todos estes anos?
7. Por fim, fez o senhor uma declaração que, com certeza, não compreendi bem, que é a seguinte: "há diversos interessados em investir na Serra da Estrela e é importante que os projectos não esbarrem em impedimentos ambientais." Se, numa zona protegida pela declaração de Parque Natural, pela integração em Rede Natura 2000 e pela declaração de Reserva Biogenética da Comissão Europeia, projectos considerados nocivos para o ambiente por quem tem a função de fazer essa avaliação não devem esbarrar nos impedimentos previstos nos regulamentos inerentes àqueles estatutos de protecção, que sentido faz falar de protecção do ambiente?
Para terminar, quero dizer que sou o autor d'O Cântaro Zangado (ocantarozangado.blogspot.com), um blogue dedicado à defesa de maneiras de viver a serra que me parecem incompatíveis com os projectos que a Turistrela tem promovido com o apoio da RTSE. Está desde já convidado a visitar o blogue e também a contribuir com os seus comentários ao que lá vou escrevendo. Suponho que estaremos, quase sempre, em oposição, mas paciência. Mantido num nível educado, o debate costuma ser fonte de esclarecimento, o que, quanto a mim, é uma coisa boa.
Esta mensagem foi publicada no blogue e a sua resposta sê-lo-á também, integralmente e sem quaisquer modificações, num artigo exclusivamente a ela dedicado. Reservo-me o direito de a comentar como entender noutros artigos, relativamente aos quais ser-lhe-á dado, claro está, direito de resposta.
Compreendo que esta mensagem possa ser considerada uma provocação. Mas pode tomá-la antes como o que ela, de facto, pretende ser: um desafio. Imagino que acredita sinceramente que as suas opiniões são as que melhor servem a Serra, o seu ambiente e o desenvolvimento da nossa região. Aqui tem uma oportunidade de defender os seus pontos de vista junto dos leitores d'O Cântaro, maioritariamente relutantes em concordar consigo.
Os meus cumprimentos.
José Amoreira
8 comentários:
Muitos parabéns!
Uma bela carta, onde foram tocados alguns pontos chave.
Gostaria muito que obtivesses uma resposta. Talvez assim nos fosse mais fácil entender as opções que querem tomar e quais as suas ideias em concreto. Quem sabe se não mudavamos um pouco de opinião!
Quem sabe se, com uma boa discussão, não mudavam *eles* de opinião! ;)
Transcrevendo a introdução dos seu excelente artigo: "Imitando à minha maneira uma iniciativa do Ricardo, leitor do Cântaro Zangado, enviei a seguinte mensagem a Jorge Patrão, presidente da Turistrela. A ver o que dá..."
Jorge Patrão não é presidente da Turistrela, mas sim da Região de Turismo. Mas não corrija, deixe ficar assim até porque eu cometo o mesmo erro variadíssimas vezes. RTSE, Turistrela, Turistrela, RTSE..., na essência é tudo a mesma coisa. Gostaria de deixar mais um breve apontamento. Certo dia desta semana, desloquei-me à lindíssima aldeia de Cortes do Meio. Qual foi o meu espanto quando, avistei, uma viatura da RTSE, semi tapada com um toldo, junto de um armazém do baldio de Cortes do Meio. Extranhei. Perguntei a um popular, que se encontrava junto ao local se sabia alguma informação relativamente à viatura. Fui informado, pelo referido e simpático popular que, aquela viatura tinha sido adquirida à RTSE pela Junta de Freguesia de Cortes do Meio. Até aqui nada de estranho. Mas, verificando que, o senhor presidente da Junta de Freguesia é funcionário da RTSE, talvez a história seja um pouco diferente. Aliás, a actual passividade da Junta de Freguesia e Baldios de Cortes, nas acções do dito investimento "amigo" do ambiente nas penhas da saúde, território da freguesia de Cortes do Meio e gerido pelo Baldio, não acontece por acaso. Estas relações "estranhas" entre Câmara Municipal, Turistrela, RTSE, Freguesia de Cortes, Baldios de Cortes mereciam ser objecto de estudo. Parabéns pelo Blog. 20 valores.
Ora bolas, claro que tem razão, distraí-me. Ainda bem que o erro foi no cabeçalho, não na mensagem que enviei para a RTSE! Desculpe, mas tenho que o corrigir...
Essa história das compras entre amigos também é muito "interessante". É pena eu não poder, por não ter nem formação nem disponibilidade começar a puxar o fio à meada. Na volta dávamos com um lindo sarilho...
Caro José Amoreira,
Permita-me que que lhe recomende a visita a 2 blogues.
- O primeiro pela qualidade
http://geo-serradaestrela.blogspot.com/
- O segundo pela falta de qualidade
http://turistrela.blogspot.com/
Cumprimentos.
Ainda bem que escreveu esta questionamento ao dito senhor. Este mail deveria servir de carta aberta à turistrela (considere fazê-lo após a resposta) e publicado no expresso, publico, diário de noticias, ao Marcelo Rebelo de Sousa, etc, etc. É fundamental ganhar visibilidade para estas questões. Quem sabe se não se poderia conseguir até um prós e contras do 1º canal sobre esta temática, em que de um lado estivessem as turistrelas e do outro "pessoas como nós" :).
Considere a sugestão.
Ricardo (Leitor fiel do Cântaro).
E já agora, a sua maneira de me imitar foi bem melhor. Um abraço.
Caro José Amoreira. Perca 1 minuto do seu tempo para ler a introdução do Blogue da Turistrela.
"Para todos os internautas que partilham a Serra da Estrela foi criado este blog que pretende registar as nossas passagens e os nossos pontos de vista sobre a Serra da Estrela. Relembrando que este destino turistico é para todas as idades recomendamos alguma moderação nas expressões linguisticas utilizadas. Vá para um lugar ... onde todas as noites são sábados... e todos os dias são domingos... e divirta-se a valer"
Um lugar onde "todas as noites são sábados... e todos os dias são domingos..."
Se eu tivesse uma CONCESSÃO como a Turistrela também poderia dizer o mesmo. Infelizmente não tenho e, ao contrário da Turistrela, tenho que trabalhar. É a vida.
Cumprimentos.
Obrigado pelo link para o Geo-SerradaEstrela. Começa muito bem! Quanto ao blog da turistrela, trata-se apenas de propaganda, nem sequer é informativo... Aliás, está parado Novembro de 2005, e são muito interessantes os comentários que por lá foram deixados pelos leitores. Foi talvez por causa das opiniões lá deixadas que preferiram deixar morrer o blogue... E note-se o seguinte: a Turistrela é a concessionária exclusiva do turismo (não só do esqui) na Serra mas não apresentam, no blogue deles, uma única foto de paisagem (não estou a incluir nesta categoria as da pista de esqui).
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