sábado, abril 01, 2006

Bater no ceguinho

Muitas vozes, particulares e institucionais, se erguem para atacar o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) e a sua actuação. Hoje, também quero!
Mas as reclamações que quero apresentar são de ordem diferente. É que não me parece correcto criticar um organismo por não cumprir funções que não são as que lhe foram atribuídas. Quero com isto dizer, por exemplo, que uma vez que o Serviço Nacional de Saúde foi constituído para defender a saúde pública, não posso questioná-lo por nada fazer pela manutenção das pontes e viadutos rodoviários, e compreendo (agrada-me, até) que os médicos e outros funcionários se preocupem, mais do que o habitual noutros segmentos da população, com a prevenção das doenças. Do mesmo modo, uma vez que a polícia foi criada para garantir a segurança pública, não lhes posso levar a mal o facto de não resolverem o problema do insucesso no ensino da matemática; além disto, espero que os agentes estejam fortemente empenhados na luta contra o crime, porque isso lhes dá maior produtividade no desempenho da sua função.

Vamos ao que interessa. Uma vez que o PNSE foi criado para defender a biodiversidade e a paisagem da Serra, espero que os seus funcionários tenham especial atenção com a defesa do meio ambiente, mesmo que essa atenção nos pareça excessiva. Ao fim e ao cabo, é para isso mesmo que lhes pagamos. Além disto,

  • não posso acusar o PNSE de "nunca ter feito nada pela vila" de Unhais da Serra, como declarou António João Rodrigues, o presidente da junta de freguesia desta localidade (ver referência no jornal Notícias da Covilhã, penso que da semana de 6 a 12 de Março de 2006), porque o parque não foi, convenhamos, criado especificamente para tal;
  • tão pouco faz sentido criticá-lo com os argumentos de que a "proposta de revisão proposta pelo PNSE inviabiliza intenções de investimento turístico na Torre, Piornos, Penhas da Saúde e Varanda dos Carqueijais", "cria dificuldades para a execução do protocolo celebrado entre o Governo e a Turistrela e entra em flagrante contradição com a atribuição da classificação de Zona Turística Prioritária à região da Serra da Estrela" como o fez o presidente da Câmara da Covilhã (ver aqui). Viabilizar intenções de investimento, facilitar a execução de protocolos ou proteger classificações de zonas turísticas não serão, propriamente, as funções prioritárias do PNSE, pois não? Não foi para isso que se criou o parque, nem terão sido essas questões que levaram a Comissão Europeia a definir a Reserva Biogenética da Serra da Estrela, parece-me...
  • também não me parece justo criticar o PNSE por não compreender como é "importante que os projectos de investimento não esbarrem em impedimentos ambientais", como faz o presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela (ver o suplemento Local (Centro) do Público de 31 de Março de 2006). Ao fim e ao cabo, uma das obrigações do PNSE é exactamente a de "esbarrar" com certos projectos de investimento, exactamente tendo em atenção critérios ambientais, não é?
Não é por estas razões ou outras do mesmo calibre que eu quero hoje criticar o PNSE.

Porque é, então?

  • Porque, passados trinta anos da sua criação, não se verificaram, aparentemente, quaisquer progressos na reintrodução de espécies extintas, nomeadamente grandes mamíferos como o lobo ou a cabra montês.
  • Porque não tem conseguido "esbarrar" o suficiente com as urbanizações selvagens que diferentes poderes têm considerado indispensáveis (assim afirmam, mas suspeito que as verdadeiras motivações são outras) para o desenvolvimento da Serra.
  • Porque não tem conseguido impedir a contínua asfaltação, ano após ano, de estradas florestais, trilhos de pé-posto e a abertura de trajectos totalmente novos, de forma desordenada, arbitrária e irracional.
  • Por não conseguir (se é que tenta, sequer) convencer as autarquias e a Turistrela a terem um papel activo na defesa da paisagem e do ambiente da Serra, por exemplo, propondo um sistema de transportes rodoviários colectivos para os dias de maior confusão (decerto infinitamente mais barato e fácil de implementar do que a maluquice das telecabines) ou uma efectiva requalificação do espaço da Torre, atalhando por onde se verificam os problemas mais graves, que são a autêntica lixeira em que a área está transformada e aberração arquitectónica das torres dos radares.
Quero destacar as seguintes críticas que tenho a fazer ao PNSE porque me parecem especiamente sérias. Acuso o parque de ser conivente (por omissão) com a difusão da imagem de "força do bloqueio" que dele têm os protagonistas locais, desde os presidentes de junta de freguesia até ao presidente da RTSE, desde os fala-baratos de café até aos opinion-makers dos jornais regionais. Critico-o por não conseguir convencer as populações do que têm a ganhar com uma serra com um ambiente protegido e uma paisagem intacta na sua beleza.
Enquanto algum responsável puder (como agora) afirmar publicamente, sem se tornar alvo da chacota generalizada, que as estradas Unhais - Nave de Sto António e Lagoa Comprida - Portela do Arão são necessárias para resolver o problema dos engarrafamentos na Serra, há um trabalho pedagógico que é necessário e urgente levar a cabo. Esse trabalho, parece-me, não devia caber só ao PNSE, mas este organismo deve ser o principal interessado em vê-lo iniciado.

Resumindo: critico o PNSE por não ter conseguido cumprir as funções para que foi criado, ou seja, por não ser suficiente merecedor das críticas de que é alvo por parte dos que mais frequentemente se têm ouvido a atacá-lo.

Sem comentários:

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!