quinta-feira, março 30, 2006

Palavras, palavras, palavras

Como disse ontem, o artigo sobre Jorge Patrão merecia uma dissecação muito mais cuidada e atenta do que a que fiz. Merecia, mas não a vai ter, porque não há pachorra! As declarações de Jorge Patrão deprimem-me, dão-me vontade de desistir de apreciar a Serra! Não é pelo que diz, porque a mesma coisa, tim-tim por tim-tim, também a diz Carlos Pinto (o Presidente da Câmara da Covilhã), facto que também me deprime. Mais uma vez, não é pela mensagem em si, porque ela é exactamente, sem tirar nem pôr, a que podemos ouvir dos responsáveis da Turistrela. O que deprime é que Jorge Patrão e Carlos Pinto foram eleitos (este pelo povo, aquele pelos organismos representados na RTSE), para desempenharem funções bem definidas, que não incluem a de porta vozes da Turistrela... O facto de aparentemente o fazerem é que me deixa mesmo aborrecido. Portanto, vou apenas comentar quatro afirmações do presidente da Região de Turismo da Serra da Estrela (RTSE), constantes no artigo em questão.

Comecemos pelo fim. Jorge Patrão refere as telecabines com pontos de saída "nas Penhas da Saúde e Alvoco". Aparentemente, o presidente da RTSE não prestou atenção ao artigo publicado no suplemento Local (Centro) do Público de 15 de Fevereiro, onde alguém, falando pela Turistrela, afirma que a a construção da telecabine de Alvoco ficará por enquanto suspensa, aguardando estudos mais aprofundados, e a das Penhas da Saúde só terá, afinal, viabilidade até ao Covão do Ferro... Como são, ao certo, os projectos das telecabines?

A páginas tantas, Jorge Patrão afirma que "nenhum dos empreendimentos defendidos pela RTSE, é nocivo para o ambiente". Bem, em primeiro lugar, o seu a seu dono. As telecabines, a construção de mais seiscentos apartamentos no "núcleo de recreio das Penhas da Saúde", a urbanização da Varanda dos Carqueijais, são projectos da Turistrela. A RTSE defende alguns empreendimentos, no interior do PNSE, que não sejam da autoria da Turistrela? É só para saber...
Posto este ponto prévio, tenho que dizer que me custa perceber aquela frase. Vejamos, temos dois lugares (o Covão do Ferro e o extremo oriental da Lagoa Comprida) sossegadíssimos, muitíssimo belos, locais (pelo menos a Lagoa Comprida) habitados por espécies vegetais que não encontramos em mais sítio nenhum na Serra (algumas não encontramos em mais sítio nenhum, ponto). Jorge Patrão quer asfaltá-los e transformá-los em parques de estacionamento, quer espetar postes por eles a fora e enchê-los do ruído das engrenagens das telecabines e dos motores dos automóveis. E diz que isso não é nocivo para o ambiente. Ou se refere ao ambiente climatizado de quem nunca visitou estes locais, ou então não percebo. Mas, a verdade seja dita, eu também nunca percebi aquela frase do Magritte, Ceci n'est pas une pipe...

Mais adiante, Jorge Patrão afirma que "Para a Região de Turismo não há preservação do ambiente enquanto houver ruínas na Serra". Ora bem! Concordo inteiramente! Finalmente, vão-se remover os mamarrachos! Não? Ai percebi mal? Pretende-se que sejam "recuperados"? Ah, Jorge Patrão acha que os mamarrachos das "torres das bolas" (sic) preservam o ambiente quando se lhes passar umas demãos de tinta. Interessante... Interessante é também a coincidência (mais uma vez) de opiniões com a Turistrela, que já anunciou que pretende requalificar aqueles mamarrachos, transformando-os em mamarrachos para venda de forfaits e aluguer de material de esqui.
A propósito, também é interessante que se tenham removido, há cerca de dez anos, todas as estruturas do antigo teleférico Piornos-Torre, à excepção do edifício do terminal dos Piornos, e que agora a Turistrela venha anunciar que pretende requalificar aquela ruína transformando-a num "spa". Porque é que essa ruína não foi também demolida e removida? Quem é que se terá oposto?

Para terminar, a famosa tirada, "todos os projectos previstos são equilibrados". Bem, falamos de equilíbrio quando duas forças ou tendências antagónicas se compensam, cancelando mutuamente os seus efeitos. Por exemplo, numa balança, como aquela com que a Justiça costuma ser representada, dá-se o equilíbrio quando força aplicada num prato iguala a aplicada no outro. Vejamos, num prato desta balança temos estradas, telecabines, urbanizações, ampliações da estância de esqui, parques de estacionamento, casino, "núcleos de recreio"; no outro, temos o quê? Reflorestação? Apoios ao PNSE para reintrodução de espécies extintas? Marcação e divulgação de novos trilhos pedestres ou arranjos nos existentes? Incentivos a empresas para passeios a cavalo? Apoios para o equipamento de novas vias de escalada? Apoios à modernização da produção e distribuição dos artigos genuinamente regionais? Diga lá, Sr. Jorge Patrão, o que é que, ao certo, tem no outro prato da balança, o que é que lá se tem posto, todos estes anos, para que se possa dizer que ela está equilibrada? Ou esta balança só tem um prato?

2 comentários:

Anónimo disse...

Parece que quem manda na Serra, só pensa no Lucro e no melhor modo de poderem receber mais e de preferência a curto prazo!

Não parecem querer pensar, por exemplo, nos temas que tocou no fim do post, não pensam em conservar a fauna e flora da Serra, em incentivar ao turismo ambiental, onde se respeite o meio ambiente e no qual o principal foco de atracção seja ele mesmo.
Pela visão deles, o melhor futuro para a Serra é torna-la num Algarve. Enche-la de casas, urbanizações, zonas recreativas, de jogo, qualquer dia até lá devem querem montar um grande shopping...

Eu até posso concordar com o aumento do nº de casas e da zona urbanizavel nas Penhas da Saúde e no Sabugueiro, se forem feitos estudos de impacto ambiental e um projecto de urbanização com qualidade, bem diferente do que foi feito para os barracos de madeira (vulgo Chalés de montanha) que estão todos enfiados uns em cima dos outros. Sou a favor da requalificação dos edifícios da Torre (já que eles lá estão, como lembrança do Plano Marshall), desde puto que digo que aquele edifício que fica mais a baixo da capela dava um belo hotel, ...
Agora nunca posso concordar em que estraguem as restante áreas, que até agora se vão conseguindo manter intocadas. Quando o Sr. Jorge Patrão diz que serão "pequenas torres, mas sem impacto na paisagem" até que não foge muito à realidade, os "postes" dos ditos teleféricos não devem ser muito grandes, talvez uma base com um metro quadrado... Agora o resto que vem com eles, isso já não refere. Os parques de estacionamento, as casas de apoio, ...

Se estas medidas tivessem o outro prato da balança, talvez até pudesse pensar de outra maneira, mas assim... Uma entrevista inteira e nada foi referido em relação ao meio ambiente... Depois de um verão em que ardeu uma área tão vasta do Parque Natural, só fala em investimento imobiliários!

Que poderemos nós fazer para impedir isto????

ljma disse...

Fixer, quando se diz que o impacto ambiental dos pequenos postes das telecabines é reduzido não se está a ver bem a coisa. Volto a dizer, o ambiente não é só para as lagartixas. Elas podem não se importar com os pequenos postes, mas nós? Que sentido faz uma caminhada de montanha sob os cabos e as telecabines, ouvindo o som das engrenagens, tropeçando nas canalizações para os cabos eléctricos, ter que cuidadosamente enquadrar as fotografias para evitar que nelas apareçam as estruturas? É para isso que queremos passar uma tarde na Serra? O impacto destas mini-telecabines (os nomes que vão inventando!...) sobre a fauna e a flora autóctones podem ser reduzidos, mas sobre o turismo ambiental vão ser enormes!

Eu acho que o melhor que podiam fazer aos edifícios da Torre era, pura e simplesmente, removê-los. O ambiente ficava melhor, o sítio ficava mais bonito, menos turistas tristes o visitavam, menos lixo por lá deixavam. Para não se ser tão radical, devia-se fazer uma avaliação e escolher que edíficios podiam ser aproveitados. Desde logo, as "torres das bolas" deviam vir abaixo (não vejo que requalificação poderá tornar apresentáveis aqueles mamarrachos), e devia-se remover a ruina da casa abrigo do ski clube. Mas a questão nem é essa. A zona da Torre é uma enorme lixeira. Não se pode falar em requalificação do espaço sem se limpar aquela porcaria e sem estabelecer uma rotina que a mantenha limpa. Falar de obras aqui, pinturas ali, é nada. Temos uma lixeira com edifícios feios, teremos uma lixeira com edifícios bonitos (a ver vamos, que lidando com esta gente...), o que é que se requalifica deste modo? O problema da limpeza da Serra devia ser o primeiro a ser colocado. Assim está-se apenas a empatar.

Quem me dera saber o que poderemos fazer para impedir isto. Não desistir, já não é pouca coisa... Lembro-me de ter lido declarações de Jorge Patrão, há alguns anos, em que ele afirmava que gostaria de ver emergir uma nova maneira de apreciar a Serra, referindo-se ao montanhismo, pedestrianismo, turismo ambiental e rural. Achei na altura ele nada fazia para que essa vontade se concretizasse. Hoje, acho que Jorge Patrão já desistiu, pura e simplesmente.

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!