(Este artigo é uma cópia do que publiquei em Fevereiro na morada antiga do Cântaro Zangado. Volto a ele, porque me pareceu, modéstia à parte, especialmente interessante.)
A Turistrela detém a concessão da exploração turística da Serra da Estrela na região de altitude superior a 800 m, ou seja, numa área total de cerca de 30 000 hectares. Isso é bom ou mau?
Por um lado é mau. Quem é que, hoje em dia, tolera monopólios do estado ou privados? Não são os monopólios contrários ao interesse dos consumidores? Não levam à estagnação, à diminuição da qualidade do produto, à escalada dos preços? Não é a concorrência (com mais ou menos regulação) o santo graal da economia moderna? Ou estas noções aplicam-se a todas as áreas de actividade económica, excepto à do turismo na Serra da Estrela?
Por outro lado é bom. Havendo apenas uma empresa a mexer com a Serra deve ser fácil fazer a fiscalização das suas actividades...
Por outro lado é mau. Uma única empresa, com o controle exclusivo de uma área tão extensa, é concerteza dirigida por pessoas muito importantes, que conseguem pôr na ordem (se fôr necessário, mas quase nunca é) outras importâncias menos importantes, como presidentes de junta de freguesia, presidentes de câmara, fiscais autárquicos e governamentais, directores de parques naturais, coordenadores de estudos de planeamento e de programas de financiamento, Cântaros Zangados... A pessoas assim, tão de bem, concerteza que se perdoam uns pecadilhos, se fecham
os olhos a alguns deslizes, coisas sem importância que podem acontecer a qualquer um... Claro que quando acontecem a qualquer um (um que seja um qualquer mas que não seja este um particular, chamemos-lhe um qualquer outro), esse um qualquer outro vê-se obrigado a pagar multas e/ou indeminizações, mas enfim, pormenores, pormenores...
Por outro lado é bom. É que temos os responsáveis bem identificados. Como dizia um taxista em S. Sebastian/Donostia em mil novecentos e oitenta e pouco, "Sabe, quando o Franco era vivo, éramos todos nacionalistas bascos, todos unidos, todos contra o Franco. Agora, ainda somos todos nacionalistas bascos, mas uns são socialistas, outros comunistas, outros populares... Já ninguém se entende!"
Por outro lado é mau. Uma empresa com o monopólio da exploração turística numa área tão grande não se contentará nunca com amendoins, ou seja, com passeios a pé ou a cavalo, guias de escalada ou de interpretação da natureza, da paisagem. Empresas assim querem ganhar muito, mas mesmo muito dinheiro. Como é que isso se faz? Não é com o turismo, nem com o ambiente, nem com a descoberta da vida selvagem, nem com a paisagem de montanha, nem com um real ordenamento da
oferta turística, nem sequer com o esqui. Não, nada disso. A resposta correcta é: Construcção Civil. Vai daí, toca de urbanizar: venham mais 600 apartamentos nas Penhas da Saúde, saia um hotel e mais apartamentos entre a Varanda dos Carqueijais e o Sanatório, um Sanatório propriamente dito, e mais outra urbanização ou aparthotel em Manteigas, dois hotéis na Torre, mais apartamentos no Sabugueiro... E tudo isto acompanhado dos inevitáveis e indispensáveis apoios estatais e europeus, inevitável e indispensavelmente vultuosos...
Por outro lado é bom. Cantemos todos juntos: Se uma empresa estraga muitos montes, duas empresas estragam muito mais. Se duas empresas estragam muitos montes, três empresas estragam muito mais [continuar até já não haver montes por estragar].
Por ainda outro lado é mau. Se houvesse muitas empresas a investir no turismo da Serra, seria evidente para todos o que elas estavam a fazer: a tratar (com toda a legitimidade) da sua vidinha, ou seja, a fazer dinheiro com a Serra. Estaria tudo certo, desde que se cumprissem regras previamente definidas. Se uma empresa as não cumprisse, as restantes logo a denunciariam, acusando-a de concorrência desleal e, mesmo que tal não acontecesse, os responsáveis pelos
orgãos fiscalizadores não teriam pruridos em fazê-la acatar a lei geral. Como só há a Turistrela, crê-se frequentemente (ou melhor, quer-se frequentemente fazer crer) que ela existe para desenvolver a Serra, para ordenar a oferta turística, para requalificar os espaços, enfim, uma empresa que desintressadamente trabalha para o bem da Serra e das suas populações. Neste imaginário, fabricado por vários responsáveis e órgãos de comunicação regionais e nacionais, a Turistrela é não uma empresa que, como as outras, visa o lucro, mas antes uma associação de
benificiência para o desenvolvimento local, a quem deve ser reconhecida uma evidente utilidade pública... Ai, ai, coitadinhos, tão esforçados e caridosos que são os bons rapazes... E o Cântaro Zangado, tão mauzinho que é, só a criticar, a criticar...
Ainda há mais argumentos, a favor e contra o monopólio. O Cântaro não sabe por que lado há-de optar. Acha que o monopólio actual é péssimo, mas receia que, em alternativa, se opte por uma ainda pior liberalização do direito de saque. É que, na verdade, haja uma ou vinte turistrelas, por cá ninguém fiscaliza coisa nenhuma. Repito, o Cântaro não sabe por que lado há-de optar. Mas era bom que estas (e outras) questões se fossem discutindo porque, com ou sem monopólio, a Serra não é só deles...
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