segunda-feira, março 06, 2006

Discursos e tomadas de posição

Esta notícia, (de que tive conhecimento no blogue Montanha) sobre o arranque da beneficiação de um troço da futura chamada "Estrada Verde" é arrepiante. Pode aí ler-se que esta estrada ainda não tem projecto concluído. No entanto, Joaquim Valente, o presidente da Câmara da Guarda, explica, preto no branco, que "Esse troço é o primeiro da estrada verde e qualquer obra, depois de se começar, tem de ser concluída". Se isto não é a usual tática do facto consumado, não sei o que seja. O que arrepia é que possa ser assim, impunemente, apregoada!
Na mesma notícia podemos ler declarações de José Manuel Biscaia, presidente da Câmara Municipal de Manteigas que são menos arrepiantes, mas apenas porque não se percebe bem o que diz. Por exemplo, "se não tivermos a estrada verde a Guarda fica altamente prejudicada e a Serra também." Porquê? Em quê? Quem quiser responder, por favor seja concreto, nada de generalidades abstractas como "a estrada verde será um benefício para todos porque é exactamente uma porta de entrada para uma mostra grande, para uma imagem já firmada que é a imagem Serra da Estrela". Que tipo de turismo está subjacente a esta obsessão das acessibilidades? É esse tipo de turismo que queremos desenvolver ainda mais?
Arrepiante, também, é esta outra notícia (a que tive acesso no Blogue Cortes do Meio), sobre a oposição da Assembleia Municipal da Covilhã à proposta de revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela. Não conheço o plano, não me posso pronunciar sobre ele. Mas vejam bem estas posições, lavradas na moção que foi aprovada: "O PNSE deve conciliar os objectivos de preservação dos especiais valores naturais, com as legítimas pretensões de desenvolvimento", sim, sim, o PNSE deve preservar apenas os canteiros da sua sede, porque tudo o resto é inconciliável com as legítimas pretensões de desenvolvimento. "A revisão pretendida pelo Parque cria dificuldades para a execução do protocolo celebrado entre o Governo e a Turistrela". Ah! Ele há um protocolo? Será compatível com as funções do PNSE, da Rede Natura e da reserva biogenética? Será função da Assembleia Municipal defendê-lo? Podemos consultar esse protocolo? Ou não nos diz respeito por não termos legítimas pretensões de desenvolvimento? A "proposta de revisão proposta pelo PNSE inviabiliza intenções de investimento turístico na Torre, Piornos, Penhas da Saúde e Varanda dos Carqueijais". Parece-me que, depois de subtraídos ao PNSE a preservação destes espaços e outros que venham a ser objecto de legítimas pretensões de desenvolvimento e ainda os que forem necessários para as várias estradas verdes, o que sobra não deve ser muito mais do que os canteiros da sua sede, em Manteigas.
Arrepio por arrepio, é também notável o causado pelo facto de os partidos da oposição se terem abstido nesta deliberação! Como é costume dizer-se, quem cala, consente! O Cântaro envia daqui os seus irónicos agradecimentos às bancadas do BE, do PCP e do PS.

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro amigo,o meu nome é jorge fael e sou leitor assíduo do blogue.É pois com todo o prazer que envio este comentário para clarificar a posição do PCP na Assembleia Municipal da Covilhã.
A abstenção da bancada do PCP sobre a moção apresentada pelo PSD não significou qq espécie concordância,nem é correcta a interpretação de qq consentimento. A nossa posição foi muito crítica quer quanto ao "modelo" defendido pela Câmara mas também face ao ICN que demasiadas vezes impõe e não explica não ganhando as populações para a conservação da natureza, precisamente o seu 1º objetivo. Posso mandar-lhe a nossa intervenção se assim o desejar. Continução de bom trabalho!

ljma disse...

Caro Jorge Fael,
obrigado por ir prestando atenção ao Cântaro Zangado. Admito que se possa considerar injusta a acusação com que terminei este artigo, não conhecendo eu todos os factos. Mas a verdade é que ninguém conhece todos os factos, e todos fazemos julgamentos com base nos que conhecemos, uns melhor informados, outros pior. Mais, nem sempre a qualidade ou a quantidade da informação de que dispomos determina a qualidade dos julgamentos que fazemos. Com base no pouco que sei, também me parece estranho que as populações da nossa região vejam sempre o PNSE como um espartilho e não como uma oportunidade, e também estou convencido que o PNSE tem algumas responsabilidades nesse assunto (mas que devem ser repartidas também por RTSE, autarquias, AIBTSE, Turistrela, ONG's, etc, todas as forças vivas deviam ter um papel pedagógico [e, de facto, têm tido: o da pedagogia das estradas, dos teleféricos, das urbanizações, dos casinos]. Deixando para trás a sabedoria popular, devo reconhecer que a vossa abstenção não significa, em rigor, concordância com a moção aprovada; mas reconheça que ela também não é muito clara como oposição. Parece-me (mas é a opinião de alguém de fora, vale o que vale) que a vossa posição "muito crítica" ficaria muito melhor demonstrada com um claro voto contra a moção e que poderiam explicar as vossas críticas ao comportamento do ICN com a divulgação da vossa intervenção, em vez de, ao contrário, se absterem e remeterem para a intervenção a oposição ao modelo da Câmara. O resultado aparente desta moção, para mim, é que a assembleia municipal saiu em defesa das intervenções selvagens planeadas pela Turistrela. Não me parece que deva ser essa a sua função, e por isso acho que deveriam ter votado contra.
Seja como fôr, não gostaria de gastar muito tempo a discutir detalhes com pessoas que, imagino, não estão, nesta problemática, muito afastadas do meu modo de pensar. Ao fim e ao cabo, o vosso voto é aritmeticamente irrelevante. Se concordamos (?) que o modelo preconizado pelas Câmaras Municipais, pela RTSE, pela AIBTSE, pela Turistrela não é o adequado, isso para mim é mais do que suficiente. Saudações!

ljma disse...

Caro Jorge Fael,
Como notou, a sua contribuição foi publicada em duplicado. Isso acontece frequentemente, quando a conexão com o servidor do blog sofre alguma perturbação. Dá-me licença que apague um dos exemplares?

Anónimo disse...

peço desculpa pelo duplicado do comentário; é claro que pode apagar! quanto ao resto não estamos de facto afastados, mas sempre diria que o que ali estava em causa era a salvaguarda de pequenas populações que o Plano de facto pode condicionar de forma pouco rigorosa e não o modelo turístico com o qual discordamos.
Um abraço!

Anónimo disse...

Caríssimo amigo,

Pedimos desculpa pelo facto de, termos eliminado o seu comentário, no post sobre o tema "escaldante" do momento que é o Parque Natural. Estamos a reformular o design do blog e por lapso eliminámo-lo. Não podiamos deixar de apresentar as nossas desculpas.Continue a dignificar a comunidade bloguista. Cumprimentos.

João disse...

O desconhecimento do que é a Rede Natura 2000 é grande, o ICN
e realmente uma entidade sem recursos e por vezes quase uma abstração, o PNSE é no minimo curioso, a CM da Covilhã é quase um mediador imobiliário, veja-se por exemplo em Vila do Carvalho, não há muito tempo ainda existia uma Suinicultura com esgotos e restos dos corpos dos animais em decomposição e a céu aberto correndo para as tais linhas de água que o PSRN 2000 considera como zonas de protecção por ex. da Lontra Europeia, mas no entanto nunca durante duas dezenas de anos se fez nada(tirando algumas tentativas dos locais), apenas quando a comunicação social entrou em cena é que o caso ganhou outros contornos...o que foi explicado á nossa população, nada, perguntem alguém o que é o PNSE, e ninguém sabe, apenas presumem que é o tal do PDM da Covilhã e o Parque Natural que não os deixam crescer...ignoram no entanto nesta terra da Lã e da Neve, da Lã que já não se fia, nem tece, e da Neve que cada vez cai menos...que o betão e o alcatrão, são a nova dicotomia.

ljma disse...

Na minha opinião faz muita falta um trabalho a que o PNSE (e outras instituições) devia prestar mais atenção, que é o de desmontar junto das associações culturais e desportivas, das freguesias, dos empresários, dos orgãos de poder local (e até da Turistrela, porque não?), com paciência, com diálogo, com pedagogia, as teses do "desenvolvimento": ah, o PDM não me permite urbanizar aqui, logo, não há desenvolvimento [não há problema, suspende-se já o PDM! (descupem, não resisti ;)]; ah, o PNSE não deixa construir ali, pois, bloqueia o desenvolvimento; ah, não temos estrada verde, torna-se impossível o desenvolvimento... Estes argumentos devem ser desmontados, mas sempre mantendo a discussão a um nível muito concreto; de abstracções vagas sobre desenvolvimento, protecção da natureza, anseios de populações rurais, atração de turistas já estou cansado. Simultaneamente, devem ser sugeridas outras possibilidades (pensemos, por exemplo, no turismo de natureza: para além da sinalização dos trilhos de grande rota, que mais foi feito?), e não se deve apostar apenas no turismo, já que mais não seja porque este ganha diversidade e qualidade com o aproveitamento da genuinidade e orgulho das populações e dos seus hábitos. Isto é que é preservar a cultura serrana, em vez de se tentar multiplicar Sabugueiros por toda a serra...
Este trabalho de educação é tanto mais necessário quanto é verdade que está muito difundida a tendência para confundir desenvolvimento com betão, asfalto, teleféricos, casinos, urbanizações... Além disso, suspeito que a pedagogia inversa está a ser levada a cabo muito eficientemente...
A falta que faz este trabalho de análise e crítica torna-se evidente com o facto de ser possível, a pessoas com altas responsabilidades, defenderem as estradas Unhais da Serra - Nave de Sto António e Portela do Arão - Lagoa Comprida como forma de ordenar o tráfego na serra e evitar os congestionamentos dos feriados com neve (espantosamente, sem que se tornem alvo de chacota generalizada!) ou a outras defenderem a estrada verde invocando a beleza paisagística que ela abre aos automobilistas (a estrada verde como motor do desenvolvimento do turismo das voltinhas dos tristes...)
Enfim, caro João, muito obrigado pelos seus comentários aqui no Cântaro, e pelo seu blog Montanha. Força e bons passeios! Vá "apitando"!

João disse...

exactamente...um abraço e muita força para o Cântaro

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!