domingo, junho 06, 2010

Uma Maravilha Natural

Vale glaciar do Zêzere (imagem roubada daqui).

Em que sentido é que o vale glaciar do Zêzere é uma maravilha da natureza? Pergunto isto a propósito da candidatura ao concurso das 7 Maravilhas Naturais de Portugal. Antes de continuar, quero deixar bem claro que não pretendo pôr em causa o concurso nem a candidatura. Eu também acho que o vale é uma maravilha. Mas quero tentar perceber melhor e deixar explícitas as razões pelas quais acho o vale uma maravilha. Porque creio que essas razões são as de quase todos e porque acho que essas razões determinam uma atitude para com o vale (e para com toda a serra) que me parece francamente positiva.

Porque consideramos então o vale uma maravilha natural?

Será porque o vale se encontra num estado natural puro, onde não se notam os efeitos da acção humana? Não! Esses efeitos são evidentes: as encostas (as duas!) não estão quase integralmente cobertas de floresta, há as quintas cá em baixo, há diversos caminhos, uma mini-hídrica e uma estrada asfaltada... Não, os sinais da civilização estão por todo o lado, não é um lugar onde se aprecie um ambiente natural no seu estado puro, nem pouco mais ou menos.

Será então porque apesar de o ambiente natural do vale não se encontrar nas melhores condições (corrijo: não se encontrar nas condições pré-civilização), serem no vale evidentes as grandes forças naturais que moldam o território, que definem a orografia? Talvez, mas a verdade é que essas grandes forças são igualmente evidentes em qualquer lugar. Naturalmente, são forças diferentes as forças que actuam em diferentes lugares, mas isso é um detalhe: porque raio devemos considerar mais "maravilhosas" as forças glaciárias do que as da erosão da água em estado líquido, ou a do vento?

Creio que consideramos o vale uma maravilha natural porque são relativamente poucos os vestígios da civilização industrial, e menos ainda os exemplos desse desordenamento evidente e gritante que temos permitido nas povoações. Assim, quase podemos imaginar que nos encontramos num lugar que ainda não estragámos. Isso não verdade, como referi acima, mas quase podemos acreditar que sim. Apesar de tudo o que já fizemos, e como diz Elisabete Jacinto citada pelo Blogue de Manteigas, o vale "é um local paradisíaco onde nos podemos sentir longe da agitação do mundo moderno" e as suas vertentes grandiosas fazem-nos "sentir pequenos e conduzem-nos à introspecção".

Concordo inteiramente com a justeza das palavras de Elisabete Jacinto. Mais: creio que quase todos concordamos. Mas, aqui chegados, pergunto: se achamos que o carácter maravilhoso do vale reside nestas suas características, e se esperamos e desejamos que elas sejam reconhecidas nacionalmente através de uma vitória no dito concurso, poderemos coerentemente defender eventuais alargamentos e rectificações da sinuosa estrada nacional EN338 até à Nave de Santo António, a instalação de teleféricos ou funiculares para as Penhas Douradas, a instalação de iluminação nocturna no Covão d'Ametade (estava prevista num projecto recente), ou a apoiar a realização, nesse local, de encontros motociclistas (com tudo o que esses encontros têm implicado)? São estes elementos que nos ajudam a sentir "longe da agitação do mundo moderno"? Consideramos normal que, num local que pretendemos anunciar como uma maravilha da natureza (e, agora, não me refiro especificamente ao vale mas a toda a serra), seja difícil tirar uma fotografia onde não apareçam "decorações" como estradas, postes de alta tensão, de iluminação ou de telecomunicações, barragens, construções de gosto e qualidade duvidosa ou restos de lixo?

Se admiramos os nossos valores naturais e queremos que os outros os reconheçam, poderemos continuar tratá-los como os temos tratado até hoje?

3 comentários:

Unknown disse...

nem mais!

Tiaguss disse...

Falta referenciar o novo adereço (em construção) à beira da estrada....

ljma disse...

É verdade, Tiaguss. Com esses adereços (e com os outros, "Test your breaks now" e quejandos) se vai reforçando o imaginário de local onde nos podemos sentir "longe da agitação do mundo moderno", não é?

E a reflorestação que devia ter sido iniciada logo a seguir ao incêndio e que talvez pudesse evitar a necessidade destes tão bucólicos adereços (de alguns deles, pelo menos), que é dela?

Ou as técnicas de engenharia natural, que são usadas em todo o mundo civilizado, para quando, aqui?

Paga-se agora a instalar, e continuaremos a pagar a manutenção. Era tão mais lucrativo (a todos os níveis) tratar da paisagem e do ambiente... Mas não. Venha aço, betão e arame! Assim se reforça uma candidatura a maravilha natural nesta região!

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!