Nas generalidade das áreas protegidas de montanha do "mundo civilizado", a escalada é permitida. Nalguns casos impõem-se restrições, normalmente bem definidas espacialmente, quase sempre temporárias, de forma a salvaguardar determinados valores concretos, bem identificados e documentados. Por exemplo, proteger durante a época de nidificação uma família de rapinas cujo ninho se encontre na proximidade de alguma via de escalada. Tirando casos concretos como estes, bem identificados e bem documentados, a regra geral é a da liberdade de escalar.
Assim, só para dar alguns exemplos: pode-se escalar no Yosemite National Park; no Glacier Nacional Park; no Grand Teton National Park; no Devils Tower National Park; no Smoky Mountains National Park; no Grand Canion National Park; no Zion National Park (EUA). Pode-se escalar no Banff National Park; no Jasper National Park; no Yoho National Park (Canada). Pode-se escalar no Parque Nacional Los Glaciares; no Parque Nacional Tierra del Fuego (Argentina). Pode-se escalar no Parque Nacional Torres del Paine; na Reserva Nacional Altos de Lircay; na Reserva Nacional Cerro Castillo (Chile). Pode-se escalar no Parque Nacional Picos da Europa; no Parque Nacional de Ordesa y Monte Perdido; no Parque Nacional de Aiguestortes; no Parque Nacional de Sierra Nevada (Espanha). Pode-se escalar no Parc National des Pirineés; no Parc National des Écrins; no Parc National de la Vanoise (França). Pode-se escalar no Ben Nevis (creio que se trata de uma área protegida privada, no Reino Unido). Pode-se escalar no Triglavski Narodni Park (Eslovénia). E podia continuar por muito, muito tempo.
Onde é que não se pode escalar? De acordo com a interpretação que os serviços do ICNB entenderam fazer do estipulado no Regulamento Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela (e que, pelas razões que apresentei há dias, considero arbitrária), não se pode escalar nas Áreas de Protecção Parcial de tipo I dessa zona protegida, ou seja, entre outras zonas, nos Cântaros, no Vale da Candeeira, na Garganta de Loriga, no Planalto da Lagoa Comprida; ou seja ainda, em praticamente todas as zonas onde tradicionalmente se pratica a escalada na serra da Estrela, onde se encontram os maiores desníveis e as maiores dificuldades técnicas. Que valores naturais estão em causa? Não são especificados. Que impactos ambientais se associam à prática da escalada? Não são especificados.
É esta proibição um sinal de que o Parque Natural da Serra da Estrela se encontra especialmente bem protegido contra os diferentes agentes agressores (veja-se que até é proibida uma actividade que é autorizada na generalidade das áreas protegidas do mundo!)? Não. No PNSE verificam-se todos os fins de semana de neve graves congestionamentos de tráfego, o turismo desordenado é um agente poluidor de gravidade reconhecida por todos, despejam-se toneladas de sal-gema nas estradas necessárias a esse turismo desordenado (sal-gema que já foi identificado como possível ameaça para alguns habitats aquáticos [ver b.n. CISE nº 28, Outono 2009]), instalam-se centros comerciais, funciona no coração da área protegida uma estância de esqui sem se terem até hoje estudado os seus impactos ambientais ou se ter definido um regulamento ambiental para a sua actividade, abrem-se estradas e alargam-se outras já existentes, aumenta-se a capacidade de estacionamento, há vários pontos de despejo de lixos e entulhos que ficam por limpar durante anos, há esgotos a céu aberto, fazem-se passeios e competições de todo-o-terreno motorizado a corta mato e até percorrendo ribeiros, instalam-se parques eólicos, há zonas de caça que a própria administração da área protegida ajudou a definir e legalizar. Ou seja, no PNSE pode-se fazer (e faz-se) praticamente tudo. Mas não escalar.
Parque Natural da Serra da Estrela: área protegida ou reino do arbítrio de mangas-de-alpaca?
1 comentário:
Parabéns pelo Blog gostei muito!
realmente é triste aquilo que se vê na nossa serra...
Logo agora que estava a pensar iniciar-me na escalada...
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