No Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela Resolução do Conselho de Ministros 83/2009 de 9 de Setembro (adiante referido como POPNSE), não constam as expressões "montanhismo" ou "escalada". Logo, estas actividades não são explicitamente proibidas no Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). No entanto, os serviços da área protegida têm dado parecer negativo a iniciativas que envolvam essas práticas no Cântaro Magro (que é justamente a "catedral" do montanhismo e da escalada de aventura no nosso país). Para justificar estes pareceres, invocam o Artigo 11º, nº 2 do POPNSE que classifica os Cântaros (incluindo o Cântaro Magro) como Área de protecção parcial do tipo I, e o Artigo 12º que (proibindo explicitamente uma longa lista de actividades na qual não se inclui, como já disse, o montanhismo ou a escalada) determina que (nº3) "Nas áreas de protecção parcial do tipo I apenas são permitidas actividades de investigação científica, visitação e pastorícia, quando compatíveis com os objectivos definidos."
O que ao certo se possa considerar visitação não é definido no POPNSE. O TPais tentou há tempos clarificar esta questão sem sucesso. Aparentemente, não existe uma definição clara do que é "visitação", ou seja, não é claro o que distingue "visitação" de actividades às quais damos normalmente outros nomes (escalada, esqui, BTT, canyoning, pedestrianismo, canoagem, parapente, etc, etc, etc) mas que envolvem, igualmente, uma visita à área protegida. Os textos mais informativos que ele conseguiu encontrar (graças a indicações de pessoas muito mais entendidas do que nós nos meandros do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade) formam a documentação de um "Programa de Visitação e Comunicação na Rede Nacional de Áreas Protegidas" elaborado em 2006, cujos relatórios estão disponíveis no Portal do ICNB. Também não encontrámos nestes documentos uma definição formal de visitação mas, no Capítulo 4 do relatório de 1ª fase, mais especificamente na secção 4.2.3 (pág. 12) a escalada aparece explicitamente classificada como um "Produto de Visitação Especializada".
Dada esta indefinição do termo "visitação", entendo que a lei, tal como está, dá aos serviços do ICNB abertura suficiente para justificarem a autorização de encontros de montanhismo e escalada na serra da Estrela e da prática dessas modalidades no Cântaro Magro. Basta que considerem essas actividades como visitação. Mais: atendendo ao que acima referi sobre o Programa de Visitação e Comunicação, entendo que mais facilmente se justifica a autorização do que a proibição daquelas actividades. Mais ainda: notando que a alínea (i) do Artigo 6º do POPNSE refere "O desenvolvimento de actividades de animação, interpretação ambiental e desporto de natureza" (negritos introduzidos por mim) como "Acções e actividades a promover", entendo que o ICNB deveria sentir como obrigação sua o encorajar iniciativas e actividades deste tipo.
É óbvio que os serviços do ICNB não vêm a coisa assim. Com toda a franqueza, parece-me que é porque não querem.
4 comentários:
Não deixa de ser um pouco confuso.
Veremos de que forma surgem as "acções e actividades a promover" e se as medidas em relação ao desporto vem ao encontro de uma harmonia com o meio ambiente.
Tiaguss, a tua primeira dúvida («Veremos de que forma surgem as "acções e actividades a promover"») tem tido uma resposta por parte dos serviços do ICNB algo estranha: não autorizaram a realização do encontro de escaladores "Entalados 2" nem a realização do acampamento ASEstrela2010. Tanto um como o outro acabaram por se realizar, mas de modo informal.
Ou seja: as acções e actividades que têm surgido desde que o POPNSE entrou em vigor, pelo menos as dirigidas total ou parcialmente à prática de escalada, não foram autorizadas. É, quanto a mim, um modo estranho de promover este desporto de natureza em particular, ainda mais estranho por se tratar de uma modalidade especialmente ligada ao imaginário e à tradição da serra da Estrela.
Saudações!
José Amoreira
Olá José Amoreira
Sim, é de facto uma forma estranha de promover o desporto que é amigo do ambiente. De certa maneira não se percebe o rumo que se pretende dar, mas pelas medidas tomadas...até tenho medo.
Qual foi o argumento para não autorizar essas actividades?
De qualquer forma em relação à escalada no meu entender podemos ter aqui duas situações diferentes: a primeira é o acto de escalar pelas diferentes vias existentes (catalogadas ou não) no cântaro e no resto da serra; a outra é o equipamento das vias (tema que nunca foi 100% consensual mesmo no meio de montanhistas).
O meu maior receio são o generalizar e o banalizar placas como aquelas que apareceram há uns anos nas entradas da maioria dos caminhos da serra, a proibir a passagem. A sorte é que o tempo encarregou-se de as fazer cair de velhas e o sol encarregou-se de as deixar tão brancas que mal se lê o que la esta escrito.
Abraços
Tiago Lages
Tiagus, olá
O argumento que apresentam é meramente administrativo: o regulamento do plano de ordenamento do PNSE (POPNSE) classifica a zona do Cântaro Magro como uma Área de Protecção Parcial de tipo I (o regime de maior protecção do PNSE) e afirma que nas áreas de protecção parcial de tipo I só são permitidas as actividades de pastorícia, de investigação científica e de visitação.
Nas áreas protegidas de outros países da Europa, as restrições ou proibições à escalada são justificadas com valores naturais concretos identificados: nesta via não se pode escalar numa dada época para não perturbar um casal de rapinas que ali tem o ninho; naquela não se pode escalar porque uma determinada planta em vias de extinção tem aqui um núcleo viável; etc. Aqui é por causa de um estatuto qualquer que permite outras actividades que, a bem dizer, podem ser mais impactantes (dependendo do número de pessoas que as pratiquem e do modo como o façam) do que a escalada.
É o reino do arbítrio dos mangas de alpaca, quanto a mim.
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