Imagino que para aliviar a nossa consciência colectiva por não conseguirmos (porque, na verdade, não queremos) fazer funcionar as leis que temos, entretemo-nos a inventar as leis mais estritas, mais severas, mais loucas e, claro, mais difíceis de fazer funcionar.
Por exemplo, o Decreto Lei 142/2008 de 24 de Julho de 2008, que "estabelece o regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade e revoga os Decretos-Leis n.os 264/79, de 1 de Agosto, e 19/93, de 23 de Janeiro", no seu Capítulo VII, classifica como contra-ordenação ambiental muito grave (a) as alterações à morfologia do solo (por exemplo, por escavações, aterros, aberturas de poços, furos, etc); (b) a modificação do coberto vegetal; (c) a instalação ou ampliação de depósitos de sucatas; (d) o abandono ou depósito de entulhos; (e) a alteração da configuração das zonas lagunares e marinhas; (f) a abertura de novas vias de comunicação (g) a instalação de infraestruturas de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica; (h) O depósito ou lançamento de águas residuais sem tratamento; (i) o corte, extracção, pesquisa ou exploração de recursos geológicos; (j) a captação, ou condução de águas, bem como a drenagem, impermeabilização ou inundação de terrenos; (l) a destruição de muros e contruções que integrem o valor natural classificado; (m) a remoção ou danificação de substratos marinhos; (n) a obstrução de passagens nos caminhos públicos e de acesso às linhas ou planos de água; (o) a realização de mercados ou feiras na área protegida; (p) o exercício de caça ou pesca, (q) a delapidação de bens culturais inventariados; (r) a realização de quimadas; (s) a colheita ou captura de indivíduos de espécies animais ou vegetais sujeitas a medidas de protecção; (t,u) a introdução de espécies não indígenas; (v) a prática de actividades desportivas não motorizadas, designadamente mergulho, alpinismo, escalada ou montanhismo, e de actividades turísticas susceptíveis de deteriorarem os valores naturais da área; (x) A prática de actividades desportivas motorizadas causadoras de poluição sonora ou aquática ou que ponham em risco objectivo os valores naturais presentes na área protegida, nomeadamente as competições de motonáutica que utilizem embarcações a motor desprovidas de dispositivos antipoluição, as competições de motociclismo que utilizem motociclos e ciclomotores especialmente concebidos para a utilização em todo-o-terreno e as modalidades de desporto automóvel que se destinem a veículos todo-o-terreno.
- Serei o único a achar a alínea (v) altamente deslocada neste elenco?
- Percebi mal, ou é mesmo contra-ordenação ambiental muito grave o mergulho, seja em que condições for, ao passo que a utilização de embarcações motorizadas sem dispositivos anti-poluição só o é se integrada em provas de motonáutica?
- Identicamente, percebi mal, ou a utilização de motociclos e demais veículos motorizados todo-o-terreno em áreas protegidas só é contra-ordenação muito grave no decurso de provas desportivas?
O número 4 deste mesmo capítulo do Decreto Lei em questão indica que são contra-ordenações ambientais leves coisas como o campismo/caravanismo, o abandono de lixos, instalação de estruturas ligeiras e a colheita de fósseis e amostras geológicas. Tudo coisas infinitamente menos impactantes do que a prática de mergulho, alpinismo, escalada ou montanhismo, obviamente.
Francamente, acho que só há um comentário a fazer: se a paz está fora da lei, só os fora da lei podem ter paz. Considerem-me muito gravemente contra-ordenado.
1 comentário:
Quanto a mim, podem desde já começar a enviar as multas para minha casa. Garanto que vão ter muita (mas muita!) tinta para gastar nos autos!!
É a vergonha das vergonhas!!
Paulo Roxo
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