segunda-feira, janeiro 19, 2009

O problema está nos detalhes

Creio que ainda nunca encontrei alguém que se afirmasse anti-ambientalista. Isto é, toda a gente é amiga da serra, das suas paisagens e do seu ambiente... Em geral. Porque, em concreto, alguns (ou muitos, não sei) são a favor da instalação de hotéis na Torre, ou do incremento (está bem, chamemos-lhe "requalificação", mas todos sabemos que é de um incremento que se trata) da urbanização nas Penhas da Saúde ou nas Penhas Douradas, ou de ainda mais uma barragem lá por cima, ou da ampliação da estância de esqui, ou da instalação de teleféricos, ou do aumento da capacidade de parqueamento, ou da definição de novas reservas de caça, ou da criação de novos parques eólicos, ou da abertura de um casino... Enfim! Todos somos amigos da serra, das suas paisagens e do seu ambiente, em princípio, mas, quando vamos ao concreto, muitos defendemos (com bons argumentos muitas vezes, não é isso que está em causa) projectos ou empreendimentos que, em maior ou menor grau, alteram significativamente as paisagens e o ambiente da serra. Alguns chegam ao cúmulo de dizer que essas alterações no ambiente e na paisagem introduzidas por nós são para melhor!

Um exemplo acabado desta mesma dissociação entre os princípios abstractos perfilhados por todos e os emprendimentos concretos que muitos defendem é o das estradas na serra. Refiro-me concretamente às estradas para os turistas chegarem à Torre, não às necessárias para a comunicação das populações com o exterior e em particular com as suas sedes de concelho e distrito.

É que praticamente nunca ouvi ninguém dizer-se, em geral, favorável a mais estradas na serra. Todas as pessoas com quem falei (ou de quem li afirmações) sobre isso afirmam a necessidade de conter o avanço do asfalto, em princípio. Mas, no entanto, muitas destas pessoas defendem este ou aquele projecto de asfaltação concreto, normalmente consoante o lugar onde vivem. Assim, pessoas de Alvoco defenderam (e concretizaram parcialmente) o seu projecto de asfaltação de uma estrada até à Torre; pessoas de Loriga defenderam a sua estrada de S. Bento; pessoas de Unhais defendem agora a sua via asfaltada para altitude de 1600m; os das Cortes do Meio exigem o seu acesso rodoviário às Penhas da Saúde, e os da Guarda a sua estrada dita Verde. Os representantes mais moderados de cada um destes grupos defendem a sua estrada (ou projecto de estrada) em concreto, mantendo e defendendo simultaneamente que não se deve exagerar na asfaltação da serra, que não se devem recortar os ecossistemas nem as paisagens, etc, etc.

Ninguém parece ser sensível à objecção mais imediata: se esta estrada é necessária para a minha povoação, se a ela temos direito, então a dos vizinhos também lhes há-de ser igualmente necessária e eles terão a ela o mesmo direito que nós à nossa. Uma possibilidade para "descalçar a bota" colocada por esse argumento é concluir que *todas* estas estradas são necessárias e que é obrigação do estado português realizar cada uma delas. Quase ninguém vai por aí, porque é fácil ver onde esse caminho nos leva: a que se essas estradas ou projectos de estradas são uma necessidade, então também o serão outras ainda não defendidas tão sonoramente: Tortosendo, Vila do Carvalho, Sarzedo, Verdelhos, Sameiro, Linhares da Beira, Folgosinho, Sobral de S. Miguel, Teixeiras, e tantas outras freguesias da corda da serra deverão também ver abertas (e asfaltadas!) as suas respectivas vias de acesso rodoviário rápido e directo às zonas altas da serra da Estrela. Ou seja, se todos aqueles projectos são inalienáveis e legítimas aspirações das respectivas populações que o estado deve satisfazer, então devemos transformar toda a serra da Estrela num enorme nó rodoviário, com estradas de asfalto em todas as direcções entrecruzando-se a cada poucas centenas de metros.

Claro que não é isso que queremos. Mas, então, que argumentos temos para defender o nosso projectozinho particular? "Vá lá... Por favor... Só mais esta asfaltaçãozinha aqui e depois não façam mais nenhuma...", é isso? E isso é razoável?

Nos princípios gerais, nas abstracções, todos somos amigos da serra, ou seja (porque, ao nível das abstracções, vai dar ao mesmo), nenhum de nós o é. É nos detalhes concretos que se traça a linha, é nos detalhes concretos que cada um se revela. Mas tudo bem: não há nenhuma lei que obrigue todos os cidadãos a serem defensores das paisagens e do ambiente da serra.

Sem comentários:

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!