sexta-feira, julho 04, 2008

Mas quem é que terá encomendado isto?

O Diário XXI de hoje, dia 4 de Julho, dá o destaque principal de primeira página a uma notícia com o título "Concessão da Serra vai a concurso em 2009". Refere-se a notícia à concessão das estradas, não a do turismo e dos desportos, que por essa se têm sucedido as décadas, os regimes políticos, as correntes económicas, as modas, sem que ela se mova...

Mas voltemos à notícia. Pode lê-la na íntegra aqui. Destaco o seguinte excerto:

Melhorias entre Seia, Torre e Sanatório
O secretário de Estado adjunto das Obras Públicas, Paulo Campos, anunciou ontem o lançamento do concurso público para a beneficiação das estradas que atravessam a Serra da Estrela (338 e 339) entre Seia, Torre e antigo Sanatório, na Covilhã. O investimento previsto é de 6,3 milhões de euros ao longo de 41 quilómetros. A obra tem abertura de propostas a 20 de Agosto e os trabalhos devem começar em 2009, tendo um prazo de execução de 300 dias. A beneficiação da estrada prevê mais passeios, zonas de estacionamento e sinalização especial para não perturbar a limpeza da neve, rampas de segurança e outros aspectos. Junto à Lagoa Comprida será criado estacionamento de um quilómetro em cada lado da via.

Uma vez que os responsáveis do turismo na Serra da Estrela (Região de Turismo e Turistrela) já afirmaram que pretendem ver o trânsito na estrada da Torre muito condicionado, apresentando até essa como uma das principais razões para a necessidade da construção de um novo teleférico, suponho que não terão sido eles a encomendar estas "beneficiações". Ao fim e ao cabo, como poderiam eles justificar gastos de seis vírgula três milhões de euros numa estrada que, segundo afirmam, pretendem encerrar ao público? Aguardamos as suas tomadas de posição face a este anúncio. Mas, se não foram eles a encomendar isto, quem terá sido? E, já agora, podia, também eu, fazer uns pedidozitos? Era coisa pouca: reflorestação, reintrodução de algumas espécies já extintas, sinalização de trilhos, dinamização e apoios ao eco-turismo...

Mais comentários: porque razão entende o Ministério das Obras Públicas ser necessário um parque de estacionamento com um quilómetro de extensão em cada lado da estrada perto da Lagoa Comprida? Penso que o que aqui está em causa é, claramente, uma preocupação com os turistas. Ora na minha opinião (formada pela comparação do turismo que temos na serra da Estrela com o que existe em muitas outras montanhas da Europa, desde o Ben Nevis na Escócia à Sierra de Gredos aqui ao lado, passando nos Alpes, nos Pirineus ou no Gerês), turismo deste do chega com o carrinho, pára à beira da estrada, faz um piquenique ou escorrega na neve com um saco de plástico (conforme a estação) e vai-te embora para casa ao fim da tarde, turismo deste já temos que chegue e não me parece bem encorajá-lo ainda mais com esta beneficiação.
Além disso, acontece que a zona em questão está no interior de um parque natural que supostamente pretende, entre outras minudências, proteger a paisagem. Ninguém mais acha estranho que uma tal intervenção possa assim ser decidida e anunciada? O Ministério do Ambiente terá sido ouvido nisto? E o que terá ele a dizer?

6 comentários:

francisco t paiva disse...

Concordo consigo. A prioridade da Serra, e mesmo da região, não passa pelas acessibilidades. Aliás, foram recentemente anunciadas as há muito reclamadas ligações ao litoral, previstas no PRN, que visam salvar o PNSE do atravessamento automóvel.

Há muito a fazer no âmbito da promoção da sustentabilidade ambiental e turística. Nalguns casos, o que há a fazer é mesmo "não fazer nada", pois o ciclos naturais não são sincrónicos com os da política e da economia.

Embora marginalmente, o artigo "(Ir)realidade do território", que publiquei n'O Interior da semana passada, alude a esta problemática.

Um abraço

a d´almeida nunes disse...

Parece que há demasiadas instituições que, a partir das suas capelinhas autónomas e independentes, decidem a seu bel-prazer consoante os interesses de grupo.
Continua a brincar-se com o fogo!
António

seia.portugal disse...

Não vejo que mal possa fazer o arranjo de uma estrada que está em mau estado e que precisa de mais segurança. Não se trata de alargar mais a estrada ou acrescentar mais uma via.
Não acham que se deve conciliar o interesse ecológico com o desenvolvimento económico?

www.seiaportugal.blogspot.com

ljma disse...

seia.portugal, obrigado pela sua intervenção.

Desculpe, mas não vejo que desenvolvimento económico possa resultar desse arranjo de estrada. Quer explicar? Também não me parece que essa estrada esteja em muito mau estado; ela foi até objecto de arranjos no ano passado. Quase que aposto que se encontram facilmente estradas em muito pior estado nos concelhos de Seia, Manteigas e Covilhã, percorridas diariamente por muito mais gente...

Sim, acho que se deve conciliar o interesse ecológico com o desenvolvimento económico. Quando é que começamos a fazê-lo?

ljma disse...

seia.portugal, só mais uma coisa.
Estou disposto até a ir mais longe: sim, acho que devemos apostar no desenvolvimento económico, até mesmo sacrificando um pouco o interesse ecológico. Quando é que começamos o desenvolvimento?

É que na minha opinião, o que temos tido até agora, aquilo em que temos apostado nos últimos cinquenta anos aqui na serra e que continua com este novo anúncio, não tem tido grande resultado em termos de desenvolvimento económico, pois não? Em contrapartida, em termos de atropelos ambientais e paisagísticos tem sido pouco menos que catastrófico.

Numa zona de montanha, apostar no turismo *não é* apostar nas estradas e nas visitinhas de carro.

Queria ainda questioná-lo sobre a segurança. Claro que todas as estradas são perigosas, em todas seria desejável mais segurança. Mas considera a estrada da Torre particularmente problemática nesse aspecto? Sabe de indicadores de sinistralidade que demonstrem a perigosidade da estrada da Torre? Eu não.

Mais uma vez, obrigado pela sua intervenção.

ljma disse...

Só ainda mais uma coisa, e agora é que me calo:
Estou disposto até a ir ainda mais longe: sim, acho que devemos manter presente o interesse ecológico, mesmo sacrificando um pouco, nalguns casos, um eventual desenvolvimento económico imediato. Mas quando é que começamos a ter presente, mesmo que em terceira ou quarta prioridade, o interesse ecológico?
Não estou aqui a falar da elaboração de leis que ninguém cumpre nem ninguém quer fazer cumprir, ou da criação de parques naturais que pouco parecem poder fazer, de discursos vazios em dias especiais; falo de termos, como país e como região, um vestígio de uma sombra de uma preocupação, leve que seja, em preservar a paisagem e o ambiente da Serra da Estrela. O caro seia.portugal considera que essa eventual preocupação tem tido efeitos? Eu não. Se ela existe, quanto a mim, não se nota em lado nenhum.

Ora bem, mas agora voltamos ao desenvolvimento económico. Com o ambiente e a paisagem empobrecidos pela poluição dos visitantes de Inverno e pelo recortar dos ecossistemas pelas estradas consideradas indispensáveis para os servir a tornar inviável o turismo de Verão (prato forte em todas as montanhas do mundo desenvolvido, mesmo naquelas onde neva com abundância) e com a neve a tornar-se cada vez mais escassa, tornando cada vez mais pobre o turismo de Inverno, o que restará à Serra em termos turísticos?

Pois: o interesse ecológico e o desenvolvimento económico, numa região como a nossa *só podem* andar juntos. Não temos um sem o outro. Mas não temos tido nem um, nem o outro com todas estas estradas e beneficiações de estradas. Porque não é isso o turismo de montanha, não é aí que reside o desenvolvimento económico numa montanha como a nossa. Ligações das povoações ao exterior, sim. Rasgar com estradas o interior da Serra como temos feito até agora, não.

Desculpe-me esta longa arenga. Pretendi apenas demonstrar o que penso, o mais claramente possível.

Mais uma vez, obrigado. Boa noite e bom fim de semana.

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!