quarta-feira, janeiro 16, 2008

As "pré-existências" do vizinho...

... São menos sagradas que as minhas?

Segundo podemos ler no site da revista Desnível, a Comunidad de Madrid vai investir 375000 euros para reconstruir o perfil natural de uma secção do Rio Manzanares situada no Parque Regional de la Cuenca Alta del Manzanares, depois de ter desmantelado uma barragem que aí estava construída. A demolição da barragem fez-se com explosivos, tendo os restos sido retirados com recurso a helicópteros para evitar os impactos associados à abertura de acessos ao local para camiões pesados que, de outro modo, teriam sido necessários. A intervenção planeada inclui a plantação de mil árvores nas margens do rio e a estabilização dos terrenos.

Bem sei que nem só bons exemplos nos chegam de Espanha. Mas não resisto a contrastar este cuidado na renaturalização de um espaço anteriormente intervencionado, com os enlevos que muitos dos nossos autarcas e demais forças vivaças demonstram por qualquer espelho de água (mesmo vedados ao público, é ouvi-los falar da sua grande importância para o turismo); com o à-vontade com que rasgam acessos em sítios onde esses acessos têm impactos dramáticos; e com o horror que essas mesmas forças vivaças e esses mesmos autarcas sentem relativamente a demolições de barbaridades que nunca deveriam ter sido construídas (em espaços naturais, que nos centros históricos urbanos a história é outra).

Trata-se de um parque regional, apenas. Não é um parque nacional (como o do Gerês, por cá) nem sequer um parque natural (como a Estrela ou a Arrábida). Apesar desta posição relativamente humilde na hierarquia das áreas protegidas espanholas, houve vontade para tomar esta decisão e para levá-la adiante. Tenho a impressão que tal não seria possível cá em Portugal. Que logo apareceriam as vozes afirmando a importância de "requalificar" um "espaço de excelência que tem estado ao abandono"; exigindo ao estado investimentos para a rentabilização do aproveitamento turístico do espelho de água; reclamando com os enoooormes custos das medidas de protecção ambiental; acusando de eco-fundamentalismo todos os que defendessem uma tal intervenção...

Espanha... Tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe...

3 comentários:

Anónimo disse...

http://www.asbeiras.pt/?area=cbranco&numero=54580&ed=16012008

Anónimo disse...

A Barragem foi destruída por apresentar riscos para as populações a jusante - pelo que consegui perceber do espanhol.

Há realmente um desaproveitamento por vezes confrangente dos espelhos de água nacionais. Vou enumerar algumas acusações gerais sobre esta questão:
- Alguns são privados ou de acessos tão maus que só servem alguns sortudos.
- A maioria das margens têm um ou mais dos seguintes defeitos: não têm vegetação e parecem o deserto do Sahara no Verão; têm vegetação a mais, tipo canaviais e não ataraem visitantes; não têm acessos em parte significativa da sua envolvente (também não devemos pensar em acessos em 100% á volta)
- A utilização turística está subaproveitada devido a não haver controlo sobre gestão das cotas das albufeiras o que leva a desniveis significativos e rápidos destas (por rega e/ou produção eléctrica) com efeitos negativos na paisagem e na gestão piscicola com reflexos no turismo.
- As barragens são muitas vezes desqualificadas pelos utilizadores devido à mania recorrente destes lá deixarem os restos dos comes e bebes que para lá levaram inicialmente, (situação que parece acontecer pela Serra da estrela pelo que tenho lido aqui e ali...).
- Requalificações que por vezes ocorrem numa ou noutra levam a passar a envolvente de uma "floresta amazónica" num hospital tal é o nível de assepsia com que ficamos no final.
- Finalmente, os efluentes urbanos/outros mesmo que não matem imediatamente o laocal devido ao cheiro acabam por no curto prazo levar a uma eutrofização tão elevada que actividades secundárias como "fazer praia" ou pescar sejam praticamente irrealizáveis.

ljma disse...

Tem razão, Osvaldo, uma das razões invocadas para a demolição foi o risco para as povoações a jusante. Mas não deve ter sido só isso, pois esse risco só é significativo se a barragem se encontrar cheia ou parcialmente cheia. Para o eliminar, bastava abrir o escoamento. Ou então demolir a barragem sem sequer remover o entulho resultante. É nestes detalhes que está o carácter exemplar desta acção e a diferença relativamente ao que fazemos por cá.

Quanto ao estado das nossas barragens e da sua inadequação para as utilizações recreativas ou turísticas, só me dá razão. Porque essa é a gestão que fazemos das nossas albufeiras, o seu interesse para o desenvolvimento do turismo é, quase sempre (mas nem sempre), nulo. Ora, ainda há dias li que um dos presidentes de câmara envolvidos na barragem do vale do Tua (ainda em estudo) defende a construcção da dita barragem pelos benefícios que diz acreditar que dela advirão para o turismo! (Interessante é o facto de outro presidente de câmara envolvido ser contra a barragem por causa dos prejuízos que ela causará ao turismo, nomeadamente pela destruição da paisagem que, segundo este autarca, ela acarreta.)

Mas há ainda mais. A barragem da lagoa do Viriato (nas Penhas da Saúde) está completamente cercada, não sendo permitido o acesso à água (ao que ouvi dizer, trata-se de uma imposição legal para as albufeiras que alimentam a rede para consumo humano, embora estranhe que ela não seja aplicada em Castelo de Bode, que alimenta a cidade de Lisboa). A Câmara Municipal da Covilhã planeia a construção de uma nova barragem na zona (mais abaixo), que se destinará também ao consumo humano. Pois o que diz o administrador e dono da Turistrela é que a obra será "um benefício para o turismo" (ver aqui um comentário que fiz a estas declarações incluido as suas fontes). Um benefício para o turismo, um pequeno lago, rodeado por uma cerca de arame? Não vejo como...

Mas o objectivo do meu post foi mostrar um exemplo de acções ambientalmente positivas. Às vezes devem demolir-se coisas. Por vezes, a melhor "requalificação" que podemos dar a uma "pré-existência" é demoli-la e limpar o entulho. Enquanto andamos com paninhos quentes, falando de futuros aproveitamentos, com projectos de ampliações, melhoramentos, ordenamentos e (a palavra é inescapável, de tal forma é apregoada pelas forças vivaças) "requalificações", passam-se as décadas, agravam-se os problemas. Sobretudo (esta é a noção que tenho dos "melhoramentos" na Serra) se os ditos projectos acabam mesmo por andar para a frente...
Saudações
José Amoreira

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!