"Quando abates um macho, outro mais jovem ocupará imediatamente o seu posto e cubrirá as fêmeas — ensinara-lhe o seu pai. — Quando matas uma fêmea, estás a matar também os seus filhos e os filhos dos seus filhos, que deveriam alimentar os teus filhos e os filhos dos teus filhos."
(pág. 45)
Reconheço que Gacel Sayah não passa de uma personagem de ficção. É fácil a nobreza quando não se é senão o resultado das divagações literário-moralistas de escritores bem intencionados. Mas também é verdade que de muitas personagens veneráveis, históricas ou não, sabemos muito mais pela ficção (mesmo que antiga) do que por registos históricos fiáveis. É por esses registos para-ficcionais, muitas vezes incertos, muitas vezes escritos muito posteriormente à época em que essas personagens supostamente viveram, que as veneramos. Dois exemplos, um histórico, o outro nem tanto: Viriato e Robin dos Bosques. Onde quero chegar é que não é por uma personagem ser de ficção ou semi-ficcionada que o seu exemplo perde o valor.
E qual é o valor do exemplo de Gacel Sayah? Que um indivíduo, mesmo quando age movido pela necessidade, pode e deve impor a si mesmo regras de conduta que lhe permitam minimizar os impactos negativos da sua acção. Não é uma lei do estado (de um estado que ele, Gacel, nem sequer [re]conhece, diga-se), não é a vigilância policial, não é qualquer pressão externa o que obriga Gacel a agir correctamente. É o respeito que tem pelo deserto, pelas gerações vindouras e por si mesmo, e a consciência viva de ser o único responsável pelas consequências das suas acções. É a sua Honra(1), em suma.
É claro que vem a propósito confrontar este cuidado com o terrorismo furtivista, ou com o incrível das alegações de caçadores que se mostram contrariados por se protegerem certos carnívoros (raposas, por exemplo), por serem concorrência e fazerem escassear as espécies cinegéticas. É claro que vem à mente a canção de José Afonso "Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada", agora num contexto muito mais literal do que o que era intenção do cantor.
Faço um apelo. Apesar de a lei, pelos vistos, o permitir, ninguém é obrigado a caçar em lugares que, supostamente, deviam ser abrigo para as espécies selvagens. Cada caçador é responsável por cada tiro que dá, por cada animal que abate. O Governo, a Câmara da Covilhã, a Junta de Freguesia da Vila do Carvalho ou o Parque Natural da Serra da Estrela, terão uma responsabilidade indirecta, decerto, por não proibirem liminarmente a caça no interior do Parque. Mas o responsável directo e principal por cada animal que abater é você, caro amigo caçador.
Por favor, não cace no interior do Parque Natural da Serra da Estrela. Deixe algum refúgio à vida selvagem. Já que mais não seja, para que os seus filhos, e os filhos dos seus filhos, possam também caçar animais selvagens.
(1) Conceito que Rui Tavares magistralmente distinguiu, num artigo publicado esta semana no Público, da comparativamente desprezível honorabilidade a que se agarram certas personagens públicas com pouca ou muito duvidosa honra.
Nota posterior: esqueci-me de dizer que gostei muito deste livro de Aberto Vázquez-Figueroa, mesmo muito. Mesmo quando a personagem principal, que vai conquistando a nossa admiração página após página, nos desilude, por vezes miseravelmente.
1 comentário:
É verdade.
Eles eram tordos ás centenas nas tramazeiras!
O meu pai sacava da arma e caçava 1 coelho da janela do quarto para o almoço desse dia!
Raposas, como as das histórias, rompiam capoeiras.
Lobos viam-se no inicio do Outono, nas primeiras neves!
Agora,
tordos deram ao slaide e coelhos nem vê-los!
Lobos, poucos, e nos zoos!
Raposas, algumas, semi-domesticadas a virem comer á mão os restos dos MacDesperdicios, k nem os competentes têm a ideia de instalar comedouros em conformidade, já que para mais acções, dinheiro não há.
Afinal os jipes marés-vivas têm de circular!
Enviar um comentário