quinta-feira, junho 28, 2007

À primeira qualquer um cai

Há quarenta anos entendeu-se que era necessário um teleférico entre os Piornos e a Torre. Decidiu-se que iria ser construido. Atribuiu-se à Turistrela (criada em 1971, já como concessionária exclusiva, mas então empresa maioritariamente pública) essa tarefa. Ter-se-ão feito estudos, iniciou-se a obra e os trabalhos andaram. Terá havido vozes discordantes? Não sei. Veteranos de outra geração disseram-me que sim, mas a verdade é que os tempos eram outros e falar contra os "grandes desígnios da nação" era um pouco complicado. A obra foi quase, quase acabada, já no novo regime, penso que por volta de 1975. Quem pagou a construção desta infraestrutura tão indispensável foi o estado, ou seja, fomos nós.
Porque é que não a acabaram? Já com as infraestruturas completas, com os terminais construídos e os cabos estendidos, descobriu-se que os ventos do alinhamento dos grandes vales glaciários do Zêzere e da Alforfa eram demasiado intensos para permitir o funcionamento do teleférico em condições mínimas de segurança. Aparentemente, ninguém estranhou que os estudos tão profundos com que se tinha planeado esta obra não tivessem previsto esta pequena contrariedade.

Durante quase trinta anos, as estruturas deste monumento à nossa monumental estupidez estiveram suspensas sobre a Nave de Santo António, até que, no final dos anos 90 (ou talvez já no início da presente década) decidiu-se o óbvio: era preciso demolir aquela vergonha. E assim se fez, gastando-se para o efeito uma verba muito superior à dispendida na sua construção. Quem pagou foi o estado, ou seja, fomos nós.
Não se completou o serviço. O bonito edifício do terminal inferior do teleférico (com que ilusto este post) continua a emprestar um toque de discreta qualidade à zona da Nave de Santo António. Porque se poupou este mamarracho? Responda quem sabe(1).

Pois bem, passados que estão alguns anos da onerosa demolição daquele elefante branco cuja construção tão onerosa foi, o que aparece? Nada mais, nada menos do que a onerosa decisão de construir, novamente, o elefante branco. Quem vai pagar? O estado (ou seja, nós): é um projecto âncora integrado no PITER "Serra da Estrela Dinâmica".

Claro que nesta nova tentativa tudo será diferente, novos estudos (quais?) provam que que o teleférico será seguro e viável usando novas tecnologias (quais?)...
Assim juram os que ressuscitaram este projecto. Mas alguém acredita que, aquando da primeira tentativa, o discurso fosse diferente?

(1) O que eu sei é que a Turistrela anunciou a intenção de transformar esta ruína numa vergonha ainda mais vergonhosa: um spa/piscina do tipo da Caldeia (complexo de piscinas cobertas no centro de Andorra a Velha). Ali, longe de núcleos urbanos ou de aldeamentos, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), numa zona onde têm sido feitos esforços de renaturalização (refiro-me à demolição das barracas da Nave de Santo António e à plantação de carvalhos pela Associação dos Produtores Florestais do Paúl, em colaboração com os serviços do PNSE). Terá esta intenção da Turistrela estado por trás da não demolição do mamarracho? Não sei.

3 comentários:

Anónimo disse...

Tópico(s): Tudo isto é triste

"O Padrinho" disse...

Caro LJMA desafio-o a enviar esta "bela" foto para o blog do Tal&Qual
http://asgrandesaberracoes.blogs.sapo.pt/

Conto consigo!!

Anónimo disse...

É impressionante como é que se gerem áreas de alto valor ambiental e paisagistico.
A Serra da Estrela tem valores únicos na sua peculiar vegetação. Tem valores culturais únicos nas transomâncias, no fabrico de queijos, aguardentes como a de Zimbro, etc., etc. O que não tem é neve para ser explorada como as estâncias de Ski dos Pirinéus ou dos Alpes. Não é esta a riquesa desta Serra. E a aposta que essa Turistrela tem feito tem sido a desgraça deste rico e único património, que não é só das gentes dos concelhos a que a Estrela faz parte, mas sim um património mundial.

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!