26 de Maio de 1858, Forte de Whalla-Whalla, Estado de WashingtonO que faz esta historieta (inventada) num blogue sobre a Serra da Estrela? O seguinte: o meu amigo Cova Juliana tem denunciado no seu blogue Estrela no seu melhor situações vergonhosas, lamentavelmente demonstrativas da falta de cuidado com que fingimos proteger o ambiente no território do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Quando ele mostrou a vergonha do esgoto a céu aberto na Torre, Fernando Matos (director do parque) questionou a legitimidade da denúncia com a frase "Não houve tanto barulho quando a Torre não tinha ETAR". Mais recentemente, quando mostrou a vergonha do esgoto a céu aberto na estrada para a Rosa Negra, o director da Águas da Covilhã e um jornalista que cobriu a história estranharam que a denúncia não tenha sido feita pelos canais apropriados. Mais recentemente ainda, no próprio blog, um leitor questionou o bom-gosto formal das denúncias.
Jacques Lafitte, um caçador da região que frequentemente colabora com os militares, acaba de dar entrada no forte. Esgotado ele e o seu cavalo, ferido com alguma seriedade, a sua indumentária apresenta as marcas de combates corpo a corpo e de uma semana correndo a mata-cavalos por território hostil.
Os homens de serviço na guarnição do forte, bem como as famílias de colonos que ali estão estacionadas numa pausa do seu trânsito para leste, para o interior, perguntam-se, inquietos, o que se terá passado. Enfim, não custa muito perceber que terá ocorrido mais alguma escaramuça com os pele-vermelhas. Apesar dos ferimentos e do cansaço, Jaques Lafitte vai contando o que se passou, entrecortando o seu inglês com forte sotaque, aprendido nestas ermas paragens, com o francês em que foi criado ainda na longínqua Europa, encorajadas as suas confidências por uma audiência que se vai avolumando.
— Os selvagens mataram-nos a todos! Não escapou nenhum! Estava eu na minha ronda das armadilhas quando os encontrei. Os corpos dos cento e tal homens com que o coronel Edward J. Steptoe saiu há duas semanas para castigar os peles vermelhas pelos ataques às quintas isoladas. Todos chacinados. E tive muita sorte! Enquanto por ali procurava algum miraculosamente afortunado sobrevivente, um tomahawk lançado de perto atingiu-me de raspão na testa! Apenas tive tempo de desembainhar a minha machete enquanto rodava, abrindo no mesmo movimento a barriga do selvagem que se lançava sobre mim de punhal em riste. Nem vi se o tinha despachado, montei o Trovão e vim a galope para Walla-Walla. Cinco selvagens perseguiram-me a meio dia de distância, estava a ver que me apanhavam! A coisa está má, as tribos Yakama, Palouse, Spokane e Coeur d'Alene uniram-se e estamos todos tramados!
Passados alguns minutos, Jacques Lafitte foi levado à presença do comandante do Forte, o coronel George Wright. Enquanto ouvia o relato do caçador, o coronel não deixou passar nenhuma oportunidade de demonstrar a sua contrariedade, com movimentos sobre a sua cadeira, com pigarreares, com bufares e outros esgares, mas ouviu o caçador e guia até ao fim. Em seguida ergue-se e, tentando controlar a fúria sem contudo o conseguir completamente, dirigiu-se ao estafado mensageiro nestes termos:
— O senhor não tem vergonha de se apresentar perante um oficial nesse lamentável estado?! Ainda pior, quem é que o senhor pensa que é, a espalhar por aí, aos quatro ventos, informações duvidosas que devia ter-me fornecido, a mim em primeiro lugar?! Desapareça-me da frente, homem! Lave-se, vista-se apropriadadmente e apresente-me um relatório por escrito, perfeitamente circunstanciado. Só então aceitarei o seu relato oral e apenas se o pronunciar em inglês de gente, seu franciu de m***. Dismiss! Imediato, tire-me este monte de bosta da frente!
O que o Cova Juliana denuncia é tão grave que apontar a eventual falta de gosto com que o faz, ou a inadequação da forma ou dos canais escolhidos, é absurdo. Tão absurdo o é como a romanceada resposta do coronel Wright ao depoimento do romanceado Jacques Lafitte.
Desculpem lá, discutam essas minudências evidentemente secundárias quando já não houver tão gritantes razões de queixa, pode ser?
Reza uma lenda popular (que não posso assegurar corresponda à verdade histórica) que em 1543, na iminência da tomada da capital, Bizâncio, do Império Romano do Oriente pelos turcos (acontecimento de tamanha importância que se convencionou com ele marcar o fim da Idade Média), se terá reunido na Catedral de Santa Sofia (na própia Bizâncio, portanto) um concílio de sábios eclesiásticos com o objectivo de dar resposta a importantíssimas, relevantíssimas e actualíssimas questões como qual seria o sexo dos anjos e quantas destas celestiais entidades caberiam na ponta de um alfinete. Eu acho que o título que escolhi para este artigo não podia ser mais apropriado.
Nota:
A historieta foi inventada, mas tem algum suporte na realidade. O forte Walla-Walla existe mesmo, no Estado de Washington (no noroeste dos Estados Unidos). A 17 e 18 de Maio de 1858, um destacamento de cento e sessenta homens chefiado pelo coronel Edward J. Steptoe foi, de facto, chacinado por índios de várias tribos, culminando uma série de escaramuças a que se chamou as guerras Yakama. Em resposta a esta ofensa, o coronel George Wright foi enviado com um grupo maior e melhor armado de soldados, que venceram os índios na Batalha dos Quatro Lagos. Esta batalha foi decisiva, tendo com ela terminado as guerras Yakama. Só tive que inventar o Jacques Lafitte.
As coisas que não se aprendem na Wikipédia! É tão fácil que qualquer aprendiz pode escrever um romance histórico. Aliás, o conteúdo das montras das livrarias hoje em dia sugere que, muito possivelmente, quase todos os aprendizes o fazem...
3 comentários:
Às vezes as coisas que acontecem longe (mesmo romanceadas) chocam-nos mais do que as que temos por perto.
Dá que pensar esta capacidade humana de ficar chocado com as coisas que já aconteceram e não fazer nada (salvo raras excepções) para evitar as que estão a acontecer hoje em dia... e não falo só a nível ambiental...
Parabéns pelo blog.
Boa tarde LJMA
Antes de mais, deixe-me agradecer-lhe as palavras simpáticas que teve para comigo e para com o blog Estrela no seu melhor.
É verdade, nos últimos tempos tenho sido objecto de alguma crítica em relação a alguns posts que coloquei no meu blog.
Bem sei que a maneira como tenho feito algumas denúncias não é a processualmente correcta, mas eu pergunto, será que se fosse pela maneira correcta o problema era resolvido mais depressa ou era pela menos resolvido?
A resposta para esta questão ainda estou à espera dela… E isso porquê.
No outro dia, recebi no meu e-mail, fotos de vários “monstros” espalhados no caminho do Pião (junto ao parque de campismo). Para não “cair” no mesmo “erro” do qual fui tão criticado, denunciei o problema por e-mail junto da ADC (pode-se ler a denuncia num post do blog) e juntei inclusivamente fotografias.
Já foi há uns dias e até agora não recebi qualquer resposta.
Conclusão, pelos vistos é preciso tornar as situações mediáticas para que as mesmas sejam resolvidas… Sabe uma coisa, nunca ninguém agradou a toda a gente e certamente não serei eu que irei agradar, por isso mesmo, vou continuar a denunciar tudo o que achar ser objecto de denúncia da forma como bem entender.
Aceito as criticas que me têm feito, mas se for preciso ser criticado para que as coisas sejam resolvidas, então meus amigos, critiquem à vontade…
Obrigado uma vez mais pelo seu apoio e do blog Cântaro Zangado, que tanto me tem motivado para continuar na defesa da nossa Serra da Estrela!
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