Depois de, há duas semanas apenas, ter dado voz ao administrador e proprietário da Turistrela (classificada como "empresa de uma família da Covilhã") que defendia investimentos que permitam aumentar a frequência da estância de esqui para podermos recuperar dos "20 anos de atraso em relação às estâncias espanholas(1)", a Visão publica agora a opinião (da OCDE) de que muitas estâncias dos Alpes não têm viabilidade a médio prazo. Sobre a prática do esqui na Estrela, na estância da tal empresa familiar, nem uma palavra. Isto parece-lhe normal, caro leitor da Visão(2)?
Neste artigo da Visão apresentam-se medidas que foram sugeridas para viabilizar o negócio das estâncias dos Alpes: aumentar a altitude das áreas esquiáveis; recorrer (ainda mais) à produção artificial de neve; mudar o modelo, isto é, mudar a oferta, do esqui para outros segmentos. Independentemente das suas vantagens e desvantagens ou dos seus impactos, se considerarmos a aplicabilidade destas medidas no contexto da nossa Serra da Estrela, constatamos que aumentar a altitude da estância é impossível. Já foi aumentada o que podia ser, quando, há uns quinze anos, a estância foi transferida das imediações do Centro de Limpeza de Neve para a Torre. Aliás, note-se que alguns planos de expansão da estância visam a ocupação de áreas de ainda menor altitude (Covão do Ferro, por exemplo). Aumentar mais a produção de neve artificial talvez seja possível, mas a custos cada vez maiores (será necessário bombear água de altitudes mais baixas) e a viabilidade prática desta solução deixa muito a desejar na Serra da Estrela, como se tem visto pela área que a estância de esqui tem conseguido (e diga-se: apenas graças a transportes de neve com buldozers) manter aberta ao público, mesmo nos recentes dias de frio intenso. Mudar o modelo de negócios talvez fosse possível, mas receio que seria necessário mudar os protagonistas, que os que temos (Região de Turismo, Turistrela, autarcas) mantém o discurso e as apostas de há cinquenta anos(3). A diferença principal entre o agora e o então é que agora parece haver mais força para concretizar os projectos ou, pelo menos, para conseguir verbas públicas para os financiar...
Mas o fundamental deste post é a seguinte constatação: nos países da Europa onde tradicionalmente há reais condições para a prática do esqui e onde o turismo de neve se tornou uma componente importante da economia, gerando vários milhares de empregos, tenta-se naturalmente achar soluções que viabilizem as grandes estâncias existentes, tentando evitar as consequências sociais dos seus encerramentos e encarando-se com imensa preocupação as próximas décadas. Em Portugal, em contrapartida, o governo acaba de aprovar investimentos de €32.850.000,00, que serão aplicados, directa ou indirectamente, no produto neve(4), para reforçar a atractividade de uma micro-estância sem expressão nenhuma em termos da economia nacional e com pouco peso na economia regional (note que são os próprios proprietários da estância que afirmam que apenas 5% dos turistas a procuram, como se pode ler na Visão de há duas semanas). Isto, numa montanha meridional, atlântica, de baixa altitude, onde pouco neva. Isto parece-lhe normal, caro contribuinte?
(1) Referi-me em tempos a estes ridículos argumentos da concorrência com a estância de Béjar, no post A lógica das avalanches.
(2) Note-se que eu sou um leitor semanal da Visão e que a considero, no panorama nacional, uma revista excelente.
(3) Até o projecto do teleférico Piornos - Torre recuperaram, chamando-lhe agora telecabine Penhas da Saúde - Torre!
(4) Obtive estes números no Gazeta do Interior de 27 de Dezembro de 2006, na página 14. São o total de investimentos anunciados para os projectos da telecabine Penhas da Saúde - Torre, das infra-estruturas da Estância de Montanha das Penhas da Saúde (a mini-cidade de Carlos Pinto) e da estância de esqui propriamente dita. Aliás, o montante previsto para esta última é anedoticamente preciso: €4.013.638,04. Nem mais, nem menos!
3 comentários:
Excelente texto que me leva a fazer as seguintes declarações (tipo "desabafo")...
Há uma constatação que para mim é clara como água: mais depressa se conseguirá "inverter" o aquecimento global do que mudar a mentalidade dos que "governam" a turistrela...Não podemos mudar o mundo mas podemos tentar...
Apesar de tudo ainda arranjo algumas (já poucas, confesso) forças para acreditar no meu país enquanto estado de direito; dito por outras palavras, os meus desejos para 2007 são os seguintes:
- que as forças que verdadeiramente amam a Estrela consigam "arrastar" para esta luta alguns "pesos-pesados" da defesa do ambiente em Portugal e, com eles, bons advogados...entenda-se, daqueles que ainda se batem por "causas". E advogados, porquê?! Porque acredito que o "contrato" que determina a concessão do turismo no planalto central a uma única empresa, está cheio de contradições às leis da república (às quais se poderiam adicionar as tropelias desta empresa ao longo destes anos).... Desta forma, deveria ser nos bancos dos tribunais que se deveria tentar "arrancar" esta gente dos destinos da Serra da Estrela.
Não tenhamos dúvidas, a turistrela está "agarrada" a uma mina de ouro da qual jamais sairá sem dar muita luta...pior, tem aliados fortíssemos no sector político que têm pactuado com esta situação da falta de concorrência ao longo dos anos.
Mas eu ainda acredito nas leis deste país...que o novo ano não me desiluda, nem a todos os que amam esta país e a Estrela em particular.
Bom ano...e vamo-nos a eles!
Ora bem, Pedro. Isto é assunto nosso!
Sinceramente já não é a primeira vez que sinto que a Visão pratica um jornalismo de encomenda e parcial, especialmente nos temas mais controversos.
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