A páginas tantas, inscrevi-me (com a minha mulher e os dois filhos pequenos) num passeio de barco para observação de golfinhos e baleias. Não vi baleias, mas golfinhos sim, como atesta a fotografia (de facto, não sei se é um golfinho ou um roaz). Na altura, pareceu-me que estaríamos a incomodar estes simpáticos mamíferos, mas um biólogo marinho da empresa organizadora, investigador da Universidade dos Açores, que acompanhava o passeio, assegurou-me que não. Aliás, este biólogo aproveitou a ocasião para zurzir os países que ainda praticam a caça de baleias, coisa que muito desagradou aos fregueses oriundos da Noruega (e eram a maioria).
Não consigo deixar de me colocar esta questão: e se o turismo em S. Miguel estivesse organizado como na Serra da Estrela, com protagonistas do mesmo calibre?
Aqui vão algumas hipóteses:
- Seria atribuída a uma empresa (chamemos-lhe Turisçores) a concessão exclusiva do turismo e dos desportos. O presidente da região de turismo local actuaria como porta-voz e defensor público dessa empresa.
- As margens da Lagoa das Sete Cidades estariam cheias de outdoors rascas a anunciar descontos nos hotéis da Turisçores. E de lixo, claro. Os caminhos nas margens da lagoa há muito teriam sido transformados em estradas de asfalto por tal medida ser considerada, pelos responsáveis, absolutamente indispensável para "ordenar os acessos à lagoa".
- A Câmara Municipal de Lagoa ameaçaria com coimas quem clandestinamente construisse barracas para férias nas margens da Lagoa do Fogo mas bloquearia decisões de demolição dos muitos barracos ilegais pré-existentes. O argumento (?) invocado seria "antes das florinhas vêm as pessoas".
- Por toda a ilha estariam disponíveis estradas de asfalto, autorizariam-se novos traçados e, quando tal não ocorresse, Juntas de Freguesia ou Concelhos de Administração de Baldios avançariam por sua conta, sem as necessárias autorizações. Ninguém seria chamado às suas responsabilidades.
- Os retransmissores de telecomunicações do Pico da Barrosa, uma vez terminada a sua vida útil, passariam para a administração da Região de Turismo, que os colocaria nas mãos da Turisçores, para a sua "requalificação" e transformação em "observatórios panorâmicos", hotéis e restaurantes. Especialistas de turismo, autarcas e presidente da Região de Turismo estariam de acordo.
- A oferta de barcos para observação de cetáceos, de guias para trilhos pedestres ou para escalada seria nula. Aliás, os trilhos não estariam sinalizados, nem seria possível adquirir mapas onde estivessem indicados, por se terem esgotado e ninguém tomar a iniciativa de fazer novas edições. Nenhum responsável se manifestaria incomodado com este assunto.
- Seria possível (mas caro, muito caro) dar voltinhas de ski aquático na redondeza do porto de Ponta Delgada, sempre com o cheiro dos diesel dos motores dos cargueiros de longo curso no nariz, em águas enegrecidas, poluídas com óleo. Tal tristeza seria sempre apresentada como a coisa mais moderna e espectacular do mundo, a âncora do desenvolvimento do turismo em S. Miguel, fundamental para a região autónoma e até para o país, principalmente pelos responsáveis autárquicos e do turismo.
- Nem uma ruína seria demolida, por mais horrorosa que fosse. Os responsáveis nunca o permitiriam.
- A principal aposta para o desenvolvimento do turismo seria no produto praia-sol-mar. Como os Açores não estão, claramente, bem apetrechados para o desenvolvimento desse produto, autarcas e região de turismo defenderiam com unhas e dentes a necessidade de apoios para a importação de areia fina da praia da Figueira da Foz ou para a aquisição de maquinaria para a moagem e descoloração do basalto (necessários para manter as praias de areia branca e fina indispensáveis a este produto turístico), para a instalação de lâmpadas de ultra-violeta gigantes que aumentassem a intensidade deste tipo de radiação nos dias encobertos e, ainda, para a construção de maravilhosos e enormes hotéis em estilo mediterrânico, sempre cuidadosamente integrados na paisagem natural típica dos Açores, obviamente.
- Afastando-nos agora um pouco para ocidente, na Ilha do Pico estariam-se a ultimar os projectos (já com financiamento público garantido) para a instalação de uma estância de esqui no topo, incluindo hotéis, canhões de neve, estradas, parques de estacionamento e telecabines (com reduzido impacto ambiental, como as do Parque das Nações). Uma conhecida multinacional de telecomunicações patrocionaria este arrojado empreendimento.
4 comentários:
Depois do que o meu amigo escreveu, que mais poderei eu acrescentar?
Sim, estou convicto que as nossas gentes serranas, terao muito que aprender com os acorianos.
Um abraco fornense.
Aposto que esses dias em S. Miguel não foram férias mas antes investigação. Excelente quando se alia o útil ao agradável. Parabens por esta excelente posta comparando o estado do turismo entre a Serra da Estrela e os Açores. Octávio Lima(ondas3.blogs.sapo.pt)
Octávio, perdeu a aposta. Desta vez, foi mesmo só férias, nada de trabalho...
Quando estive nos Açores em 2004 e ao circular de carro em S. Miguel fiquei surpreendido com o número de equipas de trabalhadres que trabalhavam na conservação de jardins à beira da estrada, limpavam e consertavam miradouros e percursos pedestres, etc, etc. Nunca vi lixo ou sinais de desleixo. Conservam aquilo que têm de mais precioso a natureza e promovem turismo de qualidade: "Açorear" a Serra da Estrela, Sim Obrigado.
Ricardo
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