quarta-feira, outubro 01, 2008

Um mercado com concorrência livre e transparente?

Tramazeira no início do Outono (ontem, para ser mais preciso), nas Penhas da Saúde.

A Turistrela, SA detém a concessão exclusiva do turismo e dos desportos na serra da Estrela, de acordo com os Decretos-Lei 3/70 de 28 de Abril de 1970, 325/71 de 28 de Julho de 1971 e 408/86 de 11 de Dezembro de 1986. A concessão em regime de exclusividade de uma área tão alargada fazia talvez sentido na lógica do Acondicionamento Industrial do Estado Novo, quando a dita concessão foi decidida. Talvez possamos desculpar, à distância a que agora estamos, que esse estatuto se tivesse mantido quando a empresa foi privatizada na sua quase totalidade em 1986. Mas, passados que estão mais de vinte anos, numa altura em que a concorrência nos negócios é considerada condição essencial para a qualidade e para a salvaguarda dos interesses dos consumidores, que sentido é que faz esta concessão?

Nenhum. E tanto que assim é que o próprio administrador e proprietário da Turistrela, Artur Costa Pais, tem repetidas vezes afirmado que não, que a concessão não se traduz em monopólio, que a Turistrela vê com bons olhos a entrada de mais investidores no turismo da serra da Estrela (ver, por exemplo o Público de 12 de Dezembro de 2006 [esta é a referência que primeiro me veio às mãos, mas há muitas mais, e mais recentes]).

Claro que, face a declarações destas, nos podemos perguntar porque razão não toma Artur Costa Pais a iniciativa sugerir aos organismos responsáveis a revogação da dita concessão, de cujas disposições, que claramente protegem a sua empresa da concorrência, ele não pretende fazer uso...

Ele há muitas maneiras de beneficiar de uma concessão exclusiva. Artur Costa Pais poderá não bloquear explicitamente toda a concorrência, poderá fechar os olhos, magnanimamente, às actividades de pequenas empresas de turismo de aventura e natureza ou à instalação de pequenas unidades hoteleiras. Mas poderá o estado estabelecer parcerias com, ou apoiar projectos de, outras empresas que não a Turistrela, na área da sua concessão exclusiva? Sem pedir à concessionária um parecer ou autorização? Custa a crer.

E ele há muitas maneiras de o estado intervir nestes assuntos. Por exemplo, a propósito da elaboração do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela. O plano encontra-se em discussão pública (até dia 3 de Outubro, atenção), podendo os documentos ser consultado no site do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade. Entre outros documentos muito interessantes, encontramos as actas das reuniões da Comissão Técnica de Acompanhamento do dito plano. A Direcção Geral do Turismo (mais tarde Turismo de Portugal, IP) integrava essa comissão. Analisando as actas, contei, no total das 11 reuniões, o registo de oito intervenções por parte dos representantes do instituto do turismo. Dessas oito intervenções, quatro são explicitamente no sentido de defender a posição da Turistrela. São particularmente reveladores os seguintes excertos:
(da acta da 6ª reunião, ponto 12, pág. 3)

Propôs [o representante da Direcção Geral de Turismo] que no relatório voltasse a figurar a referência aos compromissos entre o estado e a Turistrela
(da acta da 9ª reunião, pág. 7)
Referiu [o representante da Direcção Geral de Turismo] que devem ser salvaguardados os interesses da Turistrela.

Ou seja, admitamos que não haja monopólio. Mas como raio devemos chamar a esta situação em que organismos públicos sentem como sua função proteger, em reuniões de trabalho com outros organismos públicos, os interesses particulares de uma muito particular empresa privada?

Numa coisa podíamos, aqui na Serra da Estrela, tentar imitar os "maciços mais conhecidos, como os Alpes ou os Pirinéus": revogando esta originalíssima (e anacrónica) concessão exclusiva. Dando a todas as empresas interessadas em investir no turismo da serra os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas regras de relacionamento com o estado. Não é inventar a pólvora, é fazer aqui como se faz em todo o lado. A bem da concorrência, do desenvolvimento de um turismo de qualidade, e de um mínimo de transparência nos negócios públicos.

8 comentários:

TPais disse...

Não li actual redação dos decretos de lei que estipulam a concessão da Turistrela, mas do que me lembro a ideia era esta promover o desenvolvimento turistico na SE numa altura em que pura e simplesmente não existiam agentes de mercadoa a actuar na zona. Alem do mais a Turistrela não tinha um cariz puramente empresarial e seguia as orientações do poder central. Na verdade acho que corresponderia ao que actualmente deveria ser desempenhado pela RTSE. Quando em 1986 se procedeu à privatização da empresa perdeu-se totalmente a lógica inicial e sendo assim a concessão exclusiva não faz qualquer sentido. É na verdade uma situação sem paralelo, escandalosa e que penaliza fortemente as pequenas empresas e as economias familiares da região. Gostaria ainda de perceber como é que o Ex-1º Ministro António Guterres justificou nos anos 90 o prolongamento da dita concessão por mais 50 Anos!!

Anónimo disse...

Realmente de vez em quando até têm alguma razão.
Julgo, que agora como dirigentes da ASE o vosso "poder" de intervenção possa ir muito mais além do que blogs!
E a propósito, espera-se tenham apresentado algumas ideias de alteração ao POPNSE, as quais como habitualmente já deviam ter sido publicitadas.
Mas nunca é tarde: a esperança de as ler é a última a morrer!

TPais disse...

Caro anónimo, o que se espera é que toda a gente que tenha ideias de alteração ao POPNSE as apresente em sede de consulta pública até ao prazo limite. Este é o instrumento previsto na lei que ASE optou por utilizar por acreditar ser aquele que neste momento mais se adequa à sua intervenção. A abstenção de contribuição para o processo de consulta pública é que será de lamentar e não a ausência de divulgação das ideias da ASE cujos princípios orientadores são conhecidos e reflectidos na sua actividade ao longo de 25 anos de existência.
A prioridade da ASE foi para a análise e a reflexão da informação disponibilizada para consulta pública e não mediatização do assunto. Relembro que todos os membros dos orgãos sociais da ASE desempenham as suas funções na base da carolice e por isso o período de consulta publica era manifestamente reduzido. Posso no entanto assegurar-lhe que dentro de pouco tempo poderá consultar o parecer emitido pela ASE em www.asestrela.org
Cumprimentos
Tiago Pais

Anónimo disse...

Não deixarei de consultar o parecer sobre o assunto e realmente vem-se assistindo a uma mudança de atitude na procura mediática, quiçá, fruto de alguma ponderação pela subida ao topo da ASE.
Não concordo no entanto, que o "periodo de consulta publica era manifestamente reduzido porque os orgãos sociais da ASE desempenham as suas funções na base da carolice" quando é sabido que carolice não é sinonimo de gratuita antes enorme potenciadora de mais-valias.
Agora
-A concorrência é salutar?
Concordo.
-A Turistrela já deveria ter perdido a exclusividade?
Concordo.
"Dando a todas as empresas interessadas em investir no turismo da serra os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas regras" - é esta a verdade, dos interesses que se movimentam! O futuro mostrará, que o jogo é o Bolo Apetitoso da Serra da Estrela agora é apenas Comido pela Turistrela.
Pessoas, ambiente, natureza...ou..antes...money, imobiliario, lazer, aventura, btt,escalada, 4x4, casino, spa, money, money, money!!!
"Não é inventar a pólvora, é fazer aqui como se faz em todo o lado", só que como vocês dizem quando interessa, a Serra não é semelhante sequer aos Alpes nem aos Pirinéus.
É um bom Bolo, lá isso é e todos querem uma fatia, lá isso querem, até mesmo os carolas.
De boas intenções....
Um bom fds.

ljma disse...

Se nada fazemos, é porque nada fazemos, só falamos nos blogs; se vamos aos meios de comunicação social é porque procuramos mediatismo; se participamos nos processos que a administração põe ao dispôr das populações é porque também queremos do bolo.
OK.

Anónimo disse...

Quase me escorria uma lagrima do canto do olho!
Que peninha!!!
Ora, ora, ljma, não deturpe!
Sabemos todos que o turismo "natureza" é um bolo enorme de $$$.
Muitos cifrões!!
Para as populações? Para o ambiente? Para a Serra em sí?
Népias!
É bom, é óptimo para os donos das empresas-"natureza", para os minis-turistrelas, para "todas as empresas interessadas em investir no turismo da serra".
Nesta altura do campeonato, se lhe comem as suas papas não queira vir comer as dos outros.
Ok?

ljma disse...

OK. Então não façamos nada. É isso? E o anónimo, o que é que faz? De que papa é que come? Que motivações considera válidas, uma vez que parece não considerar assim as nossas?

Não deturpei coisa nenhuma, limitei-me a resumir o essencial das suas duas anteriores intervenções.

Anónimo disse...

Continuar com ljmalameliches, tipo ok.Então ñ façamos nada....etc e tal, não vai retirar uma virgula á conclusão do seu artigo

"Numa coisa podíamos, aqui na Serra da Estrela, tentar imitar os "maciços mais conhecidos, como os Alpes ou os Pirinéus": revogando esta originalíssima (e anacrónica) concessão exclusiva. Dando a todas as empresas interessadas em investir no turismo da serra os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas regras de relacionamento com o estado. Não é inventar a pólvora, é fazer aqui como se faz em todo o lado. A bem da concorrência, do desenvolvimento de um turismo de qualidade, e de um mínimo de transparência nos negócios públicos."

- O problema não é a Turistrela, mas antes não poderem existir muitas e variadas turistrelas!
- O problema não é a qualidade para as populações, mas antes não poder existir concorrência com a Turistrela, porque é a única area onde não existe concorrência.
- O problema não é o bolo, mas antes o corte ser de fatia única.
- O problema não é o Sr., mas antes o que virá a seguir a si.

Já agora, a minha papa preferida é tapioca porque é massa mas não tem cifrões!

Bom fds para si e pares.

Algarvear a Serra da Estrela? Não, obrigado!