Há algumas semanas, um amigo chamou-me a atenção para uma notícia, que depois vi referida em alguns blogs, segundo a qual o presidente da Câmara de Gouveia (Álvaro Amaro, do PSD) pretende asfaltar um caminho entre Folgosinho e o Covão da Ponte. A notícia pode ser lida, por exemplo, no blog dos Manteigas.
Alguns comentários.
- A serra da Estrela, zona de montanha e território da maior área protegida do país, está em grande medida ausente dos roteiros de pedestrianismo, de turismo de ar livre, de contacto com a natureza que periodicamente vão sendo produzidos por publicações nacionais (ver constatações deste facto aqui, aqui ou aqui). Ou seja, não é ainda uma referência no que constitui o turismo de montanha em todo o mundo ocidental, nem sequer à escala do nosso país. Por isso, diria eu que se queremos desenvolver o turismo na serra da estrela o que deveríamos fazer era implementar trilhos pedestres e, na medida do possível, apoiar empresas que se dediquem a dinamizar as actividades relacionadas com o turismo de montanha. O presidente da Câmara de Gouveia entende que o que ainda falta na serra para desenvolver o turismo é asfalto. Quantos mais milhões de euros e quantas mais centenas de quilómetros de asfalto serão necessários para que se perceber que essa aposta vai continuar a dar os resultados que tem dado até aqui?
- Com a crise, os titulares dos cargos políticos ganharam um certo pudor relativamente a anúncios grandiloquentes, porque sabemos que chegámos a este ponto em parte porque os políticos que nos têm governado (os que temos escolhido, note-se) gastaram o dinheiro que tínhamos e o que não tínhamos em obras de fraco ou nenhum retorno. O presidente da Câmara Municipal de Gouveia, pelos vistos, não ganhou pudor nenhum. Não, num dos países mais asfaltados e mais endividados da Europa, considera que o que ainda falta é exactamente gastar ainda mais dinheiro em ainda mais asfalto, agora para "desenvolver o turismo" em zonas onde o turismo vive principalmente de passeios a pé e de contacto com a natureza!
- O que me mete mais impressão nestes discursos é que exactamente as mesmas palavras podem ser usadas para defender qualquer asfaltação. Se o que Álvaro Amaro diz é razoável, temos que arranjar dinheiro para asfaltar uma estrada pelo Vale da Candieira, outra para a Penha dos Abutres, outra entre a Torre e as Penhas Douradas, uma pela gargante de Loriga, um acesso directo à Torre partindo de Alvoco, acessos à Nave de Santo António partindo de Unhais da Serra e do Sarzedo. E ligações mais directas entre estes povoados e todos os outros. Se é razoável o que Álvaro Amaro diz, asfaltemos a serra toda! Para desenvolver o turismo!
- «O projeto foi elaborado em “diálogo com o Parque Natural da Serra da Estrela”, por estar em causa “a preservação de pontos importantes” daquela área protegida.» Sim, e colaboraram com a definição de zonas de caça, deram e dão parecer favorável a estradas, barragens, parques eólicos, passeios todo-o-terreno, ampliações de estâncias de esqui, batidas ao javali, deposições de sal para derreter neve e tudo isso. O PNSE... Ainda bem que proíbem a escalada, porque de outro modo... De quê ao certo estariam eles a proteger a serra?
Adenda posterior: Um último comentário: este é um bom exemplo de como, para muitos autarcas, falar de turismo na serra da Estrela é, na verdade, falar de construção civil. Eu acho que as duas coisas não são bem o mesmo em lado nenhum e muito menos em zonas de montanha.
Pela substância e pertinência do tema, vou tomar a liberdade de fazer referência no Ondas3. Força aí!
ResponderEliminarÉ uma tristeza muito grande quando temos autarcas de merda com poder para barbaridades destas.
ResponderEliminarJá tinha lido isto no Publico da semana passada e é revoltante. Mais revoltante ainda quando tem o dedo do PNSE neste "caminho natural"
Haja alguém que mostre a estes senhores que isso é estragar o que temos.